Da primeira viagem profissional para fora do País, a modelo catarinense Amanda Griza só tem boas recordações. Os cinco meses no México foram de experiências, trabalhos realizados, aprimoramento de outros idiomas e, sobretudo, projeção internacional. Da segunda e mais recente viagem para o Exterior, Amanda só quer esquecer. A modelo de 19 anos desembarcou no Aeroporto Internacional Hercílio Luz, em Florianópolis, na segunda-feira 26, depois de passar 17 dias detida em uma penitenciária chinesa, sob alegação de irregularidades no visto. Antes, ela e mais 30 modelos de outras nacionalidades estiveram detidas numa delegacia. Lá, segundo ela, foi trancada em uma sala, queimada com cigarros e submetida a situações de humilhação pela polícia chinesa. “Chorava como louca quando me jogaram em uma sala sozinha de onde eu ouvia os berros das outras meninas”, lembra. “Pedia ajuda desesperadamente, mas eles ficaram me encarando e ninguém falava inglês.”

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EMOÇÃO
Amanda em foto de trabalho (acima) e no reencontro com os
pais após período em prisão chinesa: consulado emitiu visto
de negócios, mas ela precisava de visto de trabalho

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O sonho de construir uma carreira internacional é antigo. Desde os 11 anos, Amanda conciliava os estudos em Balneário Camboriú, cidade onde cresceu, com campanhas publicitárias. Em janeiro de 2013, foi aprovada no curso de Publicidade e Propaganda, mas a vontade de viajar o mundo era maior. Conversou, então, com os diretores da agência para a qual trabalhava na época, a Ford Models, para tentar negociar sua primeira temporada no Exterior. “Meus planos eram terminar o colégio e passar pelo menos dois anos viajando para conseguir mostrar um bom portfólio quando voltasse ao Brasil”, diz ela. No mesmo ano, o agente internacional da Ford Models, Alexandre Torchia, conseguiu para a jovem uma viagem ao México. “Ter oportunidade de sair do País a trabalho acontece de uma hora para a outra, os profissionais têm de estar com todos os documentos em dia”, explica Torchia. “Mas é parte importante da função de todo booker conhecer a agência contratante.” Munida com o visto de trabalho e com o registro de modelo, Amanda seguiu para a temporada mexicana onde permaneceu até dezembro do ano passado.

Ainda no México, a modelo conheceu Miguel Henrique Crispim, agente internacional independente que organizou a viagem dela à China. Havia duas opções: ir para Milão, arcando com as despesas, ou viajar para a Ásia, com todos os gastos pagos pela agência que contratou o serviço. Crispim diz que queria que ela passasse pela experiência de trabalhar em Hong Kong e Pequim. “São lugares com muitas oportunidades para jovens modelos”, diz ele. Confirmada a viagem, a empresa M2 Model Management propôs mais quatro meses de trabalho em Pequim. A modelo apresentou então a carta-convite da empresa ao consulado da China no Brasil, que emitiu um visto de negócios válido por quatro meses. “Em nenhum momento omiti que estava indo à China para trabalhar”, afirma Amanda. “Mesmo assim, recebi um visto business.” Amanda chegou a capital chinesa no dia 19 de fevereiro.

Ela dividia um apartamento com mais oito jovens e tudo corria como esperado. Foram mais de dois meses trabalhando, frequentando festas e conhecendo pontos turísticos da cidade com amigos. “Saía de casa às 8h da manhã e atravessava Pequim no ônibus da empresa, alguns dias nem almoçava por falta de tempo”, conta. Tudo mudou às 14h30 do dia 7 de maio. A sessão de fotos na sede da empresa foi interrompida por determinação da polícia chinesa e as modelos, encaminhadas ao departamento de imigração. Ela ainda conseguiu informar a família por um aplicativo de celular que estava sendo detida. “Fomos levadas ao hospital para fazer exame de urina para verificar se nenhuma das meninas estava grávida e em seguida fomos para a delegacia”, conta Amanda. “Mas em momento nenhum a polícia nos dava informações sobre por que estávamos sendo detidas.” Horas depois, Amanda conta que foi trancada numa sala. “Eles tratavam todas nós com muita violência, fiquei desesperada ouvindo os berros das meninas russas do lado de fora”, diz ela, lembrando das humilhações sofridas: “Fomos obrigadas inclusive a dançar para os policiais”.

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Na delegacia, a modelo afirma que foi queimada com cigarros. “Coloquei as mãos na janela da sala e eles apagaram as cinzas na minha pele”, diz. “Eu gritava, pedia para sair ou pelo menos para conseguir ligar para meus pais, mas eles ficavam apenas encarando.” Mais tarde, Amanda foi levada à penitenciária chinesa onde permaneceu até 25 de maio. “Eles gritavam com a gente o tempo todo, riam da nossa cara e tiravam fotos nossas”, relata. As modelos dividiam as celas com estrangeiras e chinesas.

No Brasil, a família de Amanda entrou em desespero quando viu a mensagem da jovem. “Parecia que o chão ia se abrir sob os meus pés”, diz a mãe Elena Griza. “Entramos em contato com a empresa que a contratou e com o agente internacional e eles nos disseram que ela não poderia ficar presa por mais de 24 horas, porque estava com o visto legal.” Não foi o que ocorreu. Imediatamente após saber da detenção das modelos, Elena enviou um e-mail a embaixada brasileira na China em busca de ajuda. Dias depois, entrou em contato por telefone com a vice-cônsul do Brasil na China Carmelita Pollicott para comunicar o que havia se passado. “Ela disse que Amanda poderia ficar detida por até 30 dias, mas não sabíamos ao certo o que estava acontecendo, sabíamos apenas que era por conta de problemas com o visto”, conta Elena.

Dias depois, durante um depoimento dado em inglês para uma delegada chinesa, Amanda foi informada que o dono da agência era também proprietário de casas noturnas em Pequim e que “infringia leis chinesas”. A detenção das modelos era parte de uma operação de investigação da polícia local. De acordo com Torchia, o agente internacional que levou a modelo para o México, é atribuição dos profissionais que fazem o intermédio entre a agência no Brasil e a agência contratante conhecer pessoalmente as condições em que vão ficar as modelos. “Precisamos dar um respaldo aos pais, passar uma segurança”, diz. Além disso, Torchia afirma que as agências brasileiras devem ter advogados para garantir o cancelamento do contrato em situações que exponham às modelos a riscos.

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Crispim, o agente que levou Amanda à China, diz que a confusão foi do consulado chinês. “Amanda preencheu documentos que comprovavam o trabalho como modelo, ainda assim o consulado emitiu o visto de negócios”, diz. A carta-convite da agência foi escrita em chinês e ele diz desconhecer o teor. Para Crispim, o fato de o dono ter sido denunciado por irregularidades por proprietários de outras casas noturnas agravou o problema. O booker diz que não conhecia o empresário pessoalmente, mas já havia enviado outras modelos para a mesma agência. “Até então, tinha conhecimento que era uma empresa séria. Se ela estivesse com um visto de trabalho, acredito que a situação poderia ter sido diferente”, afirma ele, para quem é difícil pensar que a maior agência da China possa atuar de forma irregular.

Segundo a vice-presidente da Câmara Brasil-China, Uta Schwietzer, o visto de negócios, emitido com maior celeridade e bem mais barato, não permite executar funções remuneradas no país. “Se a pessoa tem um visto business, ela está autorizada a participar de reuniões ou de alguma missão, mas não poderia fotografar para um catálogo ou para uma revista”, explica. Como Amanda, outras modelos brasileiras tentam seguir carreira no Exterior e acabam expostas a uma série de riscos. É preciso ficar atento à legislação de cada nação. “Alguns países têm regras de concessão de visto muito restritivas e, se não estiverem com os documentos em ordem, os trabalhadores acabam se sujeitando a situações de constrangimento com autoridades internacionais”, explica a professora Elizabeth de Almeida Meirelles, especialista em Direito Internacional da Universidade de São Paulo.

Após a intervenção das autoridades brasileiras, a modelo foi libertada no domingo 25 e seguiu escoltada em um carro da polícia chinesa até o aeroporto. “A agência não nos deu nenhuma explicação sobre o que ocorreu, enviamos diversos e-mails, mas não tivemos resposta”, diz Edson Griza, pai de Amanda. Apesar da experiência traumática, a jovem não desistiu da carreira internacional. Agora, ela tem planos de trabalhar em Nova York ou na Europa.

Fotos: Arquivo Pessoal; Renan Antunes de Oliveira/UOL/Folhapress


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