Chegaram hoje. Estão aqui na minha mesa. Olhei longamente para elas esta manhã e me permiti sonhar com a preguiça e o ócio, ainda muito raros na minha rotina. São minhas passagens aéreas rumo às férias. Embarco dia 8 de junho. Quatro dias antes da abertura da Copa do Mundo no Brasil.

Escolhi a data de propósito. Não quero estar aqui durante o maior evento esportivo do planeta. Ou pelo menos durante uma parte dele. Já participei, como jornalista, de três Copas. São oportunidades incríveis para o país-sede e para os visitantes, apesar de todas as inevitáveis falhas. É de se esperar que ocorram críticas por falta de organização, gastos em excesso, infraestrutura pobre, etc, etc. Mas no fim, se a organização é séria, todo mundo torce, faz negócios e se diverte.

Por isso mesmo, não quero estar aqui. Não quero ver que no Brasil organização não vale nada e o jeitinho brasileiro é o que será louvado afinal de contas. Adoro ser brasileira. Detesto a exacerbação dessa característica como se fosse uma qualidade única, que nos diferencia e nos torna mais espertos, mais especiais, mais interessantes. O jeitinho não é interessante nem nos leva, como país, a lugar algum.

A despeito de todas as contradições inerentes a um evento comandado pela polêmica Fifa, um acontecimento como a Copa do Mundo pode sim, e deve, deixar um legado em benefícios palpáveis para a população que o acolhe. Principalmente para cidades ainda tão carentes, como as nossas, de bons aeroportos, de uma rede hoteleira que abrigue qualquer tipo de turista e que esteja bem distribuída geograficamente e de uma rede pública de transporte que não humilhe o cidadão que só deseja chegar ao trabalho e voltar para casa com o mínimo de conforto. No lugar disso, o que fazemos? Despejamos caminhões de dinheiro em estádios inteiramente desproporcionais às demandas das cidades-sede. (E que se chegue até lá caminhando porque transporte também não haverá.) 

E depois tem quem não entenda por que se protesta contra a Copa no Brasil. Não, não estou falando das manifestações pontuais recentes que infernizaram a vida da população. Refiro-me aos cartazes “hospitais padrão Fifa” e “transporte público sim, estádio não” que se multiplicaram pelo Brasil no ano passado, nos gigantescos protestos que ninguém decifrou completamente. Era apenas gente na rua, gente de verdade, gritando o que gostaria para o Brasil. Aposto que são todos torcedores diante de um jogo de futebol. Eu também sou. Mas aposto também que teriam mais orgulho de torcer por um país menos dependente do jeitinho de última hora para fazer um evento como a Copa acontecer.

Tenho vergonha do país do puxadinho, da tapeação, do jeitinho. Jeitinho é sinônimo da incapacidade de planejamento. Simples assim. Ou pior: do desprezo pelo planejamento. Na bagunça, a emergência justifica qualquer processo mal conduzido e eivado de oportunidades para
a corrupção. Planejar é evitar que o dinheiro fique pelo meio do caminho.

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Como cidadã do país do futebol, mesmo de longe, torcerei para que a Copa seja um sucesso, para que a festa transcorra sem violência ou quebra-quebra e para que a taça fique aqui. Mas não esquecerei que este 2014, ano de Copa, é também ano de eleições. É na urna, e não nos estádios, que nosso protesto contra o jeitinho fará a diferença.

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária 


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