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Os museus de arte moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo abrem exposições homônimas, comemorativas de seus 60 anos. As duas mostras enfocam os estágios das instituições e seus acervos e ensinam que há muito mais em comum entre elas do que a data de sua fundação. Tanto o MAM RJ quanto o MAM SP viveram períodos de heroísmo, crise, superação e busca de nova identidade. Seus momentos heróicos foram os anos de implantação, com Francisco Matarazzo Sobrinho à frente do museu paulista e Raymundo de Castro Maya do carioca. "Se até hoje a cultura não é uma questão para as nossas elites, se um ministro com a força do Gil não conseguiu dar ao MinC 1% do orçamento, imagino como deve ter sido duro nos anos 40 para lançar a idéia do MAM e torná-la realidade", afirma o crítico carioca Luiz Camillo Osório, curador da mostra paulista, ao lado da crítica Annateresa Fabris.
Os museus nasceram em 1948 com o apoio do MoMA de Nova York, que lhes emprestou o nome e doou sete obras para cada um. "A criação dos museus de arte moderna foram resultado de uma política de exportação cultural americana no pós-guerra, consolidando a idéia de que os EUA eram os herdeiros legítimos da herança artística ocidental. Mas a própria vida se encarrega de corrigir os ‘projetos civilizatórios’", afirma Reynaldo Roels Jr., curador do MAM RJ. Os museus logo foram ajustando seus modelos. O Rio investiu em um forte projeto educativo, com participação direta das vanguardas atuantes no momento, e São Paulo criou a Bienal, que teria papel fundamental no florescimento do concretismo e do neoconcretismo brasileiro, e na internacionalização do nosso circuito.
Logo viria a crise. Em 1963, decidido a dedicar-se exclusivamente à Bienal, Ciccilio Matarazzo dissolve o MAM SP, doando seu acervo ao recém-formado Museu de Arte Contemporânea da USP. O museu teria que ser ressuscitado por uma nova doação, anos depois. Já o MAM RJ perde seu acervo no incêndio de 1978 e ressurge das cinzas com a doação de Gilberto Chateaubriand. "Os traumas da doação e do incêndio ainda estão presentes nos dois museus, em especial no caso do Rio, que perdeu o museu como referência cultural", diz Camillo Osório.
Falar dos 60 anos desses dois museus é refletir sobre como nosso modernismo foi adaptado dos modelos americano e europeu. Teria sido interessante uma comemoração compartilhada, mas as duas instituições ainda estão empenhadas em repensar suas identidades e em atualizar seus projetos. "Esta exposição da Oca é um esforço para pôr em questão o que de fato foi perdido em 63. É necessário ficar olhando para trás? Que concepção de moderno estava de fato naquele acervo? Prevalecia um moderno um tanto comportado e até conservador", afirma Camillo Osório. Assumindo-se hoje um museu de arte contemporânea, o MAM SP escolhe Volpi e Flávio de Carvalho para representar a passagem da arte moderna para a arte contemporânea, na exposição da Oca. Já o Rio comemora o aniversário com uma seleção de 85 obras de quatro décadas do modernismo, em Coleção Gilberto Chateaubriand MAM RJ, e com a mostra MAM 60 anos.

Crítica

Mundus admirabilis e sombrios
por Christine Mello

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regina silveira – Mundus admirabilis e outras pragas / Galeria Brito Cimino, SP/ até 8/11

Regina Silveira é uma artista, como muitas figuras-chave da história da arte, de transição. Sua obra nasce no momento de crise, não apenas política e cultural dos anos 1960, mas de profundas transformações no campo da arte por conta da explosão dos meios e das hibridizações entre linguagens.
Artista multimídia, de base conceitual, grande parte de sua trajetória diz respeito ao acionamento desviante de luz e sombra no espaço, criando, com isso, deformações e paradoxos na percepção sensória, no sentido de questionar o sujeito e os espaços de visibilidade.
Sua obra problematiza as fronteiras entre natureza e cultura, por meio de jogos de ironia que produz entre a realidade e suas representações inverossímeis. Ela faz, para tanto, usos transgressivos de um dos mais antigos sistemas científicos, a perspectiva, associada à arquitetura, fotografia, som e movimento.
Em sua fase atual, amplia estratégias ao criar ambientes instalativos que são como ficções no plano imaginário. Nessa exposição, por meio tanto de uma profusão de adesivos, objetos de madeira, vídeos, tapeçarias e porcelanas quanto de projeções de fantasmas luminosos e sombras sem referente (produzidos por artifícios ópticos), transforma o espaço da galeria numa intervenção em lugar específico. Seus trabalhos referem-se à discussão do universo das pragas bíblicas, como um repertório revisitado de tempos sombrios.
Ao gerar mundos admiráveis por meio das violências, bestiários e animais fantasiosos, Regina Silveira inverte o sentido mítico das pragas ao colocar em jogo o fato de que nossa percepção sobre as coisas não é passiva nem neutra; é, sim, operativa. Sua obra ativa no observador condições críticas sobre os tormentos que se apropria, chamando atenção das ambigüidades, confrontos e desajustes de nossos tempos.
Daquilo que perturba e produz fábulas, da ira divina ou humana, às idéias de entropia, deterioração ambiental, corrupção, invasão e extermínio, reside sua poética de desordenação dos sentidos e sua relevância.

Christine Mello é critica de arte e professora do mestrado em artes visuais da Faculdade Santa Marcelina