Hora do happy hour no resort da Ilha de Comandatuba, no adiantado da noite da quinta-feira de comemorações do Primeiro de Maio, Dia do Trabalho. O Salão Capitania ficou apinhado por 320 CEOs e acompanhantes que confraternizavam após um típico jantar baiano regado a acarajé, frutos do mar, bom vinho e descontraída conversa. A apoteose estava por acontecer dali a instantes. Quase que inesperadamente, porque só eram aguardados na manhã seguinte durante o seminário, os pré-candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos desembarcaram motivados naquele ambiente de convescote empresarial. Eram as atrações da 13ª edição do Fórum Empresarial que acontecia ali. E chegaram esbanjando bom humor. Campos, ao melhor estilo família, trazia a tiracolo a mulher, Renata, e o filho de três meses, Miguel, em um bebê-conforto que logo foi cercado por convivas encantados. Aécio, por sua vez, recebeu tratamento de superstar. Todos queriam tirar foto ao seu lado, abraçá-lo, tocá-lo. Eram presidenciáveis de carne e osso que não evitavam o contato direto com aquele time de eleitores de peso, ao contrário da adversária Dilma Rousseff, que, convidada, se recusou mais uma vez a estar presente – algo que tem feito rotineiramente quando surgem oportunidades como essa de tête-à-tête com o PIB. Entre tapinhas nas costas e palavras de apoio ao pé do ouvido, os dois pré-candidatos angariavam razões para sorrir e distribuíam simpatia. Aécio tinha na caravana um séquito de deputados e senadores tucanos que reforçava a claque nas animadas rodas de bate-papo. Campos arrastou para lá a vice, Marina Silva, na expectativa de arrebanhar mais alguns pontos entre simpatizantes de bandeiras ambientalistas. O cenário estava montado para o que foi entendido como uma prévia dos muitos debates eleitorais que deverão ocorrer ao longo do ano. Naturalmente, a falta de Dilma, que deve fugir do confronto direto com os rivais o quanto puder – estratégia já delimitada pela equipe de campanha –, converteu o encontro em uma autêntica festa da oposição. O organizador e entertainer do Fórum, João Doria Jr., lamentou a ausência e rogou votos para que ela ao menos participe de um almoço-debate em planejamento para São Paulo. “O isolamento de Dilma é incompreensível!”, registrou Doria, avaliando que a oposição já saiu do marasmo e da hibernação na qual se encontrava. Aécio e Campos, com o endosso do empresariado, também não pouparam críticas à postura esquiva da presidenta. “Não podemos fugir do debate, não podemos, para ter um Brasil melhor, fazer mais do mesmo e é uma pena que a presidenta Dilma não esteja aqui nos ajudando nisso”, invocou Campos.

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DESCONTRAÇÃO
Na chegada a Comandatuba, Aécio, com Doria,
recebeu tratamento de superstar; Campos encantou
os convidados ao aparecer com o filho Miguel

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Ambos os pré-candidatos tinham vindo, sem escala para descanso, direto dos palanques de protestos dos trabalhadores, montados momentos antes em São Paulo, onde, falando para uma plateia bem diferente, ouviram reclamações de toda ordem sobre o custo de vida. Dilma teve também a chance de medir ela mesma a temperatura do descontentamento geral e perceber desoladamente que não será fácil a sua caminhada rumo à reeleição, quando foi sonoramente vaiada por três vezes em outro púlpito, na abertura da 80ª Expozebu, em Uberaba. Seu correligionário petista, Alexandre Padilha, longe de acolhidas calorosas, experimentou na pele o nível a que chegou tal insatisfação ao ser recebido a pedras e paus quando tentou falar para um grupo de militantes da CUT naquele Primeiro de Maio. Definitivamente, o clima não andava bom para políticos da situação.

Já no aprazível ambiente de Comandatuba, Aécio e Campos colhiam os louros. Mostraram-se inspirados. Chegaram até a declamar poesias. Aécio, citando versos do músico Raul Seixas para justificar sua defesa ao fim do mecanismo da reeleição, autonomeou-se uma “metamorfose ambulante”. Embora a ideia de segundo mandato tenha sido de seu mentor, Fernando Henrique, Aécio externou posição contrária: “Prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, parafraseou. Campos recorreu a Fernando Pessoa para dizer que não compactua com fisiologismos e “raposismos”: “É preciso abandonar as roupas usadas e esquecer os caminhos que levam sempre aos mesmos lugares.”

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ALINHADOS
Atendendo a pedidos dos organizadores, Aécio e
Campos seguram juntos a bandeira do Brasil.
"Não consigo vê-lo como adversário", disse Aécio

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O que houve em Comandatuba – e qualquer interlocutor presente confirmava de pronto essa impressão – foi uma clara proximidade de propostas entre os dois. A tal ponto que Aécio sacramentou a identidade dos anseios com uma espécie de convite na abertura de sua fala no seminário que teve início na manhã da sexta-feira 2: “Não consigo ver o ­Eduardo como adversário. Somos companheiros do mesmo sonho, queremos a mesma coisa e não vejo como, a partir de 2015, não estarmos, eu, ele e a Marina, no mesmo projeto de país.” Algum mal-estar foi notado nas expressões de Marina Silva, a única que, de cara fechada, não aplaudiu a fala do senador. Após o debate, ela tratou de delimitar as distâncias programáticas. “Há diferenças profundas nos programas de governo. Não vi ele dizer, por exemplo, que, independentemente dos partidos, quer fazer uma governabilidade recrutando os melhores”, apontou. Dias depois do evento, Campos, como líder da chapa, se viu na condição de ter de reiterar a companheira. “Temos projetos distintos, eu e o Aécio, com bases política e social distintas. Isso não impede que tenhamos capacidade de ver o que nos une. Mas oferecemos caminhos diferentes.”

No meio executivo muitos interpretam a aliança com Marina como uma trava que inibe e limita ações e falas de Campos. Um “big boss” do ramo de serviços, preferindo o anonimato, chegou a dizer que Campos atua melhor quando está longe da vice. “Eu vi ele falar em outra ocasião sem a Marina e estava mais solto, à vontade para defender propostas descoladas da agenda ambiental.” Um parlamentar da bancada pernambucana confirmou que Campos vive “pisando em ovos” para não melindrar Marina e seu grupo político. João Doria, no mesmo tom, cravou que, durante as apresentações em Comandatuba, Aécio foi mais assertivo. “A sensação do empresariado é de que ele está mais livre para desenvolver suas plataformas de governo. Campos está um pouco inibido. Com Marina, ele toma muito cuidado no trato de certos temas para não feri-la ou contrariá-la.”

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DEBATE
"Vamos parar de hipocrisia", bradou Wagner.
Aécio não contemporizou e Marina, de cara fechada, disse
que ela e Campos têm diferenças profundas com o tucano

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Muito embora Campos tenda a acentuar seu distanciamento de Aécio daqui para a frente na corrida eleitoral, o pacto de não agressão entre os dois vigorou ao menos em Comandatuba. Lado a lado, não lançaram ataques verbais ou provocações mesmo na fase de perguntas do debate que durou cinco horas e registrou “overbooking” de presentes com cadeiras extras sendo providenciadas de última hora para acomodar a plateia. Alfinetadas ficaram na verdade por conta do governador baiano, Jaques Wagner, que anfitrionava o evento no Estado. Era previsível! Sem viva alma do PT ou de seus aliados no recinto, como único representante da ala governista, Wagner se sentiu isolado e incomodado com os aplausos à dupla oposicionista e não teve outra opção que não a de partir para o ataque. Suas intervenções fizeram a temperatura subir naquele terreiro baiano.

O governador, como se diz na expressão nordestina, “deu baile” com direito a “chiliques” e contestações apimentadas na única oportunidade em que pediu a palavra para contrapor as promessas dos pré-candidatos. “Vamos deixar de hipocrisia! Quando se fala em reforma tributária, estamos falando em divisão do bolo”, reclamou, fazendo menção direta a uma das bandeiras do tucano Aécio. “É mentira afirmar que o Estado pode ser gerido como uma empresa da iniciativa privada. Não vamos abominar a política com esses clichês”, bradou. Não recebeu um único e escasso aplauso de apoio ao seu protesto. A plateia de espectadores estava decerto encantada com o que ouvia dos presidenciáveis e, percebendo o clima favorável, Aécio e Campos cortejaram com habilidade aquela parcela do PIB. Era gente do calibre de Abilio Diniz, da BRF, Rômulo Dias, da Cielo, Luiza Trajano, do Magazine Luiza, André Esteves, do Banco BTG/Pactual, Flávio Rocha, da Riachuelo, Edson Bueno, da Amil, Luiz Fernando Furlan, da BRF, e Jorge Gerdau, dono de um dos maiores grupos siderúrgicos nacionais. “Não acho, ao contrário de alguns, que o Brasil foi descoberto a partir de 2003. O Brasil é uma construção”, disse o tucano, apontando que Dilma atrasou o debate sobre o desenvolvimento do País em dez anos. “Nós poderíamos estar discutindo produtividade, mas estamos voltando a uma velha agenda, da busca pela estabilidade. Perdemos uma década com a demonização das privatizações e das parcerias com o setor privado. Agora estamos na mesma agenda em que estávamos há dez anos no setor de infraestrutura.” Saiu ovacionado.

Campos também levou aplausos, embora mais contidos, quando prometeu criar um conselho de responsabilidade fiscal com o objetivo de monitorar as contas públicas. “O Brasil precisa constituir um conselho com essa missão, da mesma forma que temos as agências reguladoras”, disse o ex-governador. Na lista de transformações relacionadas pelos pré-candidatos podiam se verificar avanços promissores: corte pela metade no número de ministérios, independência do Banco Central, reforma tributária e conquistas consistentes no campo da educação – área em que ambos tinham muito a mostrar pelas experiências adotadas nos respectivos Estados que governaram. Minas, por exemplo, possui o maior índice de alfabetização do País, enquanto Pernambuco, por sua vez, criou o maior projeto educacional em vigor ao colocar boa parte das crianças em período integral nas escolas. Quem mais emocionou com o tema do ensino foi, no entanto, Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna, em meio às homenagens pela passagem de 20 anos da morte do piloto. Ao seu lado, João Doria conseguiu bater mais um recorde de arrecadação, de pouco mais de R$ 4 milhões, para os projetos educacionais tocados pela Instituição. Com tal rapidez ele levantou a quantia que Aécio, em tom de brincadeira, resolveu lhe dirigir um convite: “Você poderia ser o meu arrecadador de campanha. Pense nisso!”. Arrancou gargalhadas. E o tom animado prosseguiu pelo resto do dia após aquele primeiro debate que marcou a corrida presidencial na ensolarada Comandatuba.

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Fotos: Gustavo Rampini, Anderson Timóteo; MONICA ALVES


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