São Pedro avaro com as chuvas em São Paulo arma o cenário de uma crise anunciada de abastecimento de água, premente desde 2004, quando a recuperação dos reservatórios da capital tornou-se problemática. Desde 1930 não havia uma seca nem uma demanda tão grandes. O sistema Cantareira, que garante 61% do abastecimento da região metropolitana, está com 10,7% da capacidade.

Parte dos especialistas considera que o racionamento é inevitável e deveria ser assumido imediatamente (um dia sem abastecimento para cada dois dias com), juntamente com a deflagração de campanhas pela economia da água (que já começaram) e a taxação do aumento de consumo. Outros temem os efeitos políticos da medida em um ano eleitoral e estimam que o acesso ao “volume morto” (o fundo dos reservatórios) pode suportar o consumo até outubro, depois da eleição. Teme-se que o racionamento induza a população a estocar o recurso, o que estressaria ainda mais o sistema. Mas e se o volume morto for consumido e continuar a não chover no Sudeste?
E os reflexos na produção de energia?

A crise de São Paulo não é de oferta, e sim de demanda. Os paulistas consomem 140 litros de água por dia (contra 110 litros recomendados pela ONU), mas os 21 milhões que vivem na região metropolitana serão 35 milhões em 2030. A lógica do aumento permanente da oferta induziu à criação de uma rede sofisticada, com oito sistemas de reservatórios interligados, ampliada por meio da “importação” da água das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. A construção do nono sistema já começou, o São Lourenço, que captará águas do rio Ribeira de Iguape em 2018. Também se pretende agregar o rio Paraíba do Sul à base, apesar do conflito inevitável com o abastecimento do Rio de Janeiro. Tudo isso porque a bacia do rio Tietê está poluída demais para ser usada e o custo do tratamento é exorbitante.

A situação do trânsito na cidade e a multiplicação de viadutos e túneis oferecem um paralelo sugestivo com a crise de abastecimento de água. Muitos países investem na gestão da demanda, mas o Brasil sempre corre atrás da gestão da oferta. Toda vez que o problema do abastecimento de água aflora, novas obras são encomendadas. Nunca se investe em racionalização do consumo e educação, soluções pouco atrativas em termos políticos porque abalam o conforto “espaçoso” do consumidor. Mas a pressão da demanda transformou a metrópole numa das regiões de maior escassez de água do País, tão ou mais grave do que a do Semiárido nordestino. Se a população aumenta, a atividade econômica cresce e os rios não são revitalizados na mesma proporção, o desequilíbrio é fatal, independentemente das mudanças climáticas, que podem agravar o cenário ainda mais.

Em janeiro, o Fórum Econômico Mundial, em Davos, identificou três grandes riscos de alto impacto e probabilidade para as economias globais: crise fiscal, crise de desemprego e falta de água. Já o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos, publicado pela Agência Nacional de Águas em 2013, revela que a retirada total de água no Brasil aumentou 29% entre 2006 e 2010 (o gasto em irrigação praticamente triplicou em algumas regiões). Está mais do que na hora de mudar de foco.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta