Pérola Imperfeita: A história e as histórias na obra de Adriana Varejão/ Editora Cobogó e Companhia das Letras/ 360 págs/ R$ 90

Em 1997, a pintora Adriana Varejão realizou um trabalho que expressava seu interesse pela história das raças brasileiras. A instalação “Testemunhas Oculares X,Y,Z” é composta por três retratos em que a artista é representada como uma índia, uma chinesa e uma moura. Mesmo que a Adriana negra e a Adriana branca estivessem ausentes do trabalho, de certa forma ele evocava o censo oficial brasileiro, segundo o qual o povo brasileiro divide-se em cinco cores: branco, preto, vermelho, amarelo e pardo. Dezessete anos depois, o tema da cor da pele volta à obra da artista e as três raças se multiplicam em 33. Nas séries de pinturas “Polvo Portraits” (2013) e “Polvo” (2014) – a segunda exposta no Galpão Fortes Vilaça, em São Paulo, até 27/5 –, a artista é representada em 33 tons de pele, realizados com uma paleta de tintas fabricadas pela própria Adriana, a partir de uma pesquisa de como os brasileiros descrevem a sua cor.

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QUESTÃO DE PELE
Acima, "Polvo", Adriana Varejão retratada em diferentes cores.
Abaixo, tela da instalação "Testemunhas Oculares X,Y,Z"

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“Branquinha”, “Burro quando foge”, “Queimada de sol”, “Fogoió”, “Café com leite”, etc., são alguns dos 136 termos com que os brasileiros se autodefiniram para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Essa liberdade de interpretação e de definição da própria identidade é o mote das pinturas recentes e também do livro que a artista acaba de lançar em parceria com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz. Em “Pérola Imperfeita: A História e as Histórias na Obra de Adriana Varejão”, a história do Brasil é contada em uma narrativa personalizada, filtrada pelos olhos da artista. Por isso, é sintomático que “Testemunhas Oculares X,Y,Z”, em que um dos olhos da retratada é extraído da tela e disposto sobre uma badeja de vidro, em frente à obra, seja o ponto de partida da narrativa histórica de Lilia.

“Adriana Varejão poetiza o que lê e faz dos textos instrumentos para outras histórias”, escreve Lilia, que, para reescrever a história do Brasil colonial a partir das pinturas de Adriana, se afasta das visões oficiais e reconhece que, afinal, toda história é uma sucessão de “autonarrativas” baseadas em leituras, releituras e na relativização do olhar.