A crise política instalada entre os governos do Acre e de São Paulo desde que o primeiro começou a despachar, com o auxílio do governo federal, centenas de haitianos que estavam no abrigo da cidade de Brasiléia para a capital paulista mostrou como o País está despreparado para lidar com as questões humanitárias. “A política do governo para haitianos é improvisada”, diz Camila Asano, da ONG Conectas, que acompanha a situação dos imigrantes desde o início. Os refugiados começaram a chegar a São Paulo no dia 12 de abril, mas foi na quinta-feira 24 que o incômodo causado pela transferência veio à tona. A secretária de Justiça do Estado de São Paulo, Eloisa Arruda, classificou como irresponsável a conduta de facilitar a vinda dos haitianos, enquanto o governador acreano, Tião Viana (PT), acusou a “elite paulista” de ser preconceituosa. Vale lembrar que desde que o governo federal decidiu atuar em parceria com o Haiti, liderando as tropas de paz na localidade, abriram-se as portas para os seus cidadãos no País.

abre.jpg
ABANDONO
Haitianos recém-chegados à casa Missão Paz, em São Paulo,
sofrem com a falta de colchões e alimentos

Há alguns anos, o fluxo de pessoas vindas do Haiti disparou. Segundo a Missão Paz, entidade ligada à Igreja Católica que acolhe refugiados num abrigo no centro da capital paulista, o número de haitianos recebidos pela instituição subiu de 80 em 2011 para 2,6 mil no ano passado. Transferidos de Brasiléia, onde estavam 1,7 mil refugiados, vieram 500 deles, desde meados de abril. Eles dormem sobre colchões no chão e dizem sentir frio e fome. Apesar de a instituição afirmar que concede uma refeição diária, os imigrantes contam que não têm comida todos os dias. “Não conseguimos dar conta”, diz o padre Paolo Parise, responsável pelo abrigo. Alguns já cruzaram a fronteira sem nada. “No Peru roubaram tudo o que eu tinha”, afirma Pierre Duckenson, 33 anos. Na semana passada, a prefeitura e o governo do Estado começaram a fornecer colchões e alimentos no local onde os haitianos estão alojados. O secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili, afirmou, porém, que por enquanto não há planos para a construção de um novo abrigo.

HAITI-02-IE-2318.jpg
PERSPECTIVA
Imigrantes fazem fila para regularizar documentos e tirar carteira de trabalho

No Acre, a avaliação é que o Estado não pode prender os imigrantes. “Eles podem escolher o próprio destino e a preferência é por São Paulo e pelo Sul”, afirma o secretário de Direitos Humanos acreano, Nilson Mourão. “Oferecemos a ajuda humanitária dentro das nossas condições, mas o futuro depende da política do governo federal.” O coordenador do abrigo em Brasiléia, Damião Borges, afirma que, entre dez haitianos que chega lá, seis saem do Estado. Recém-chegado a São Paulo, Enoil Vital, 40 anos, disse que o próprio Damião o aconselhou a sair do Acre. “Eles vêm de um país em dificuldades, é natural que queiram ir para os grandes centros”, justifica o coordenador.

Especialistas afirmam que a situação dos haitianos, em última instância, é responsabilidade do governo federal, que, no entanto, ainda passa ao largo das acusações. “O Estado brasileiro auxilia especialmente o governo do Acre com recursos para saúde e assistência social”, afirma a assessoria do Ministério da Justiça. A pasta culpa a enchente que atingiu o Acre pela decisão de enviar os haitianos para São Paulo. Apesar de ser acusado de omissão na coordenação do problema, o governo federal diz que diversos ministérios atuam para minimizar os danos, repassando verbas para alimentação e saúde, por exemplo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

IEpag62e63Haiti-2.jpg

Há oito meses, a ONG Conectas denunciou as condições sub-humanas flagradas no abrigo de Brasiléia à Organização dos Estados Americanos (OEA). “Os haitianos são vítimas de violações de direitos, sofrem abusos policiais no caminho e ficam nas mãos dos coiotes – pessoas que cobram altas taxas para levar os imigrantes até as regiões de fronteira”, afirma Camila, da Conectas. Segundo ela, a denúncia dessa situação abalou a imagem do Brasil, que sempre foi visto como um país crítico de injustiças nas políticas migratórias”, diz. Os próprios brasileiros, inclusive, já sofreram como imigrantes, principalmente em países da Europa. Para a especialista, é preciso aumentar o número de vistos humanitários, facilitar a chegada deles ao Brasil e, a longo prazo, integrá-los à nossa sociedade.

Fotos: Pedro Dias/Ag. Istoé


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias