Quem viveu a experiência de um aborto carrega a marca de uma dor. Uma dor não necessariamente de arrependimento ou de culpa. Para mulheres que tiveram a sorte de sobreviver a um aborto, é a dor perene de uma experiência triste. Mulheres são criadas ao redor de bonecas, treinam suas habilidades maternais em brincadeiras infantis, crescem celebradas por gerar vida. Não é motivo de orgulho se ver diante da decisão de interromper uma gravidez indesejada. Um milhão de abortos ocorrem por ano no País, e boa parte das adolescentes e adultas que vivem a solidão dessa escolha suporta uma tristeza: a de precisar passar por isso.

Não precisavam passar. O aborto não é método contraceptivo para ninguém, mas uma necessidade de última instância, seja qual for a razão para se optar legitimamente por ele. Com tantos métodos contraceptivos disponíveis, as taxas de aborto deveriam ser inexistentes. Mas não são. Jovens mulheres são vítimas da falta de acesso à informação. São vítimas da oferta precária de anticoncepcionais nos serviços de saúde. E não se trata de ter ou não dinheiro para comprar pílula: se uma garota não tem diálogo com os pais, recorrerá aos postos de saúde.
O verdadeiro crime acontece antes do aborto. Um crime contra a mulher. Uma quantidade assombrosa de adolescentes grávidas no País devassa o crime da ausência de uma política pública de orientação sexual, com qualidade suficiente para alterar posturas. Estudos já provaram que mera informação não muda comportamento. O Estado e a sociedade são negligentes: não garantem proteção às mulheres que decidem iniciar uma vida sexual com segurança. Diante da descoberta do prazer, é direito de toda jovem ser abastecida de informação, diálogo em família, consciência do corpo, auto-estima e senso de autopreservação. É direito de toda jovem não precisar aprender isso na marra.


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