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Nada melhor do que a imagem de uma criança, primeiro à beira da morte, depois lutando para superar a tristeza pela perda das irmãs e a falência do pai, para desencadear sentimentos de compaixão, admiração e doçura. É exatamente a partir de cenas como essas que o Opus Dei (Obra de Deus) – grupo de católicos ultraconservadores e afinadíssimos com as altas esferas do Vaticano – pretende amolecer o coração de seus críticos e minimizar sua imagem negativa, potencializada pelo livro O Código Da Vinci, do escritor americano Dan Brown. Ao completar 80 anos – comemorados sem muito alarde na quinta-feira 2 -, a prelazia aproveita para anunciar o lançamento de um desenho animado de 60 minutos e a produção de uma série de tevê sobre seu fundador, o padre espanhol Josemaría Escrivá Balaguer (1902-1975). Ambos serão exibidos em primeira mão por tevês italianas. Além deles, está sendo finalizado, aqui no Brasil, um documentário sobre a trajetória da Obra no País. É a primeira vez que o Opus Dei, conhecido por sua extrema discrição e aversão aos holofotes, se expõe dessa maneira. "Após o lançamento de O Código’ houve um enorme interesse do público em nossos assuntos", disse Pippo Corigliano, portavoz do Opus Dei na Itália, quartelgeneral da prelazia. "Assim, decidimos aproveitar o momento para levar adiante iniciativas que nos mostrem como realmente somos."

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O romance de Dan Brown recebeu muitas críticas de católicos (da Obra ou não) por distorcer questões ligadas à Igreja e ao Opus Dei. Na ficção, a prelazia ganha roupagem de vilã ao ser capaz de matar para manter um segredo. No caso, pretendiam ocultar o nascimento de uma menina, filha de Jesus e Maria Madalena. No entanto, o que mais chocou a opinião pública foram as cenas em que o personagem do albino Silas, membro do Opus Dei, recorre à mortificação corporal. Na trama, ele chicoteia as próprias costas e usa o cilício (cinto com farpas) no alto da coxa com extrema violência – uma maneira de relembrar o sofrimento de Cristo na cruz. "A história tem muitos furos", diz Roberto Zanin, assessor de comunicação do Opus Dei no Brasil. "O cilício incomoda quem usa, mas está longe de ser o que aparece no livro e no filme. É esse tipo de coisa que pretendemos esclarecer", diz. O romance foi lançado em 2003 e vendeu 60 milhões de cópias no mundo todo. Três anos depois, virou um filme com o astro americano Tom Hanks no papel principal, do "mocinho" Dr. Robert Langdon.

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Realizado pela produtora italiana Mondo TV, o desenho animado The journey of J.M. Escrivá (A jornada de J.M. Escrivá, em tradução literal) retrata a vida de seu fundador, o padre Josemaría Escrivá, que fundou o Opus Dei em 1928 e foi canonizado em tempo recorde, 27 anos após sua morte, pelo papa João Paulo II, que era, assim como o atual pontífice Bento XVI, muito próximo do grupo. Na produção, as agruras de infância do hoje santo são enfatizadas. Aos dois anos, muito doente, ele teve a morte decretada pelo médico que o atendeu. Essa foi apenas a primeira dificuldade enfrentada pelo menino. Filho de um comerciante de tecidos e uma dona-de-casa, perdeu três irmãs mais novas. Além disso, na escola tinha de lidar com as piadas dos colegas sobre a falência de seu pai. "O que mais impressiona é a simplicidade, esperança e coragem daquela família espanhola", comenta Corigliano. O desenho estréia no domingo 19, no canal italiano Mediaset. A série de tevê, por sua vez, está sendo produzida pela RAI. Ainda em fase embrionária, deve retratar Escrivá durante a guerra civil espanhola (1936-1939), quando foi perseguido. No Brasil, o documentário Um caminho (nome provisório), produzido pela Avatar a pedido da instituição, está prestes a sair do forno. Trata-se de uma série de depoimentos de membros e simpatizantes, chamados de cooperadores.

A iniciativa do Opus Dei de recorrer à linguagem audiovisual para melhorar sua imagem é aplaudida pelo consultor Miguel Kater Filho, do Instituto Brasileiro de Marketing Religioso. "Se a Igreja Católica fosse mais competente em produzir filmes para o cinema e a tevê, não levaria tanta bordoada", afirma. Uma das máximas da prelazia é que todos podem – e devem – ser santos em seu dia-adia. O instrumento para realizar esse ideal é o trabalho. Quanto melhor o desempenho, mais santificado se fica. Divididos em numerários, aqueles que podem constituir família, e supernumerários, os leigos celibatários (leia quadro), somam hoje, no mundo, 84 mil membros. No Brasil, são 1,8 mil, principalmente nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Para aumentar o rebanho, organizam palestras e retiros – além de fornecerem direção espiritual. A produção desses filmes é recente, mas o objetivo é antigo. Ao trabalhar sua imagem, afinam seu discurso e aumentam o rebanho. De preferência, com "ovelhas" cujas profissões têm o poder de influenciar, como professores universitários, comunicadores e políticos.

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