Ao contrário do que ocorre em absolutamente 100% das eleições do mundo inteiro, em 2014 Luiz Inácio Lula da Silva diz que não é candidato e até promete apoiar outro nome na campanha, mas um número cada vez maior de brasileiros acredita que vai acabar encontrando seu retrato nas urnas de outubro. Presente nas pesquisas de intenção de voto, sempre com aprovação infinitamente superior à de qualquer concorrente, inclusive da aliada Dilma Rousseff, o “Volta, Lula” frequenta os gabinetes de Brasília, os encontros  de empresários e também as conversas nos sindicatos. Lula não perde uma oportunidade para anunciar sua não candidatura, como fez na terça-feira da semana passada, num encontro com blogueiros no instituto que leva seu nome.  

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“Eu não sou candidato. Minha candidata é a Dilma Rousseff. E eu conto com vocês para divulgar isso e acabar com essa boataria”, disse. Quatro dias antes da coletiva, num encontro reservado com a própria Dilma, em Brasília, Lula já tinha dito: “Você é nossa candidata e nós vamos ganhar com você. Vou ser seu maior cabo eleitoral.” Em dezembro, os dois tiveram uma conversa, com o mesmo teor. Embora as circunstâncias fossem outras, a verdade é que Lula tem agido assim desde 2008. Dois anos antes de deixar o Planalto, quando acumulava índices recorde de aprovação e era tratado como “O Cara” por Barack Obama, ele proibia ministros de comentar em sua presença a hipótese de disputar um terceiro mandato.

Mas o murmúrio do “Volta, Lula” dificilmente vai acabar, apesar dos apelos do personagem-título. Isso porque se tornou sintoma de uma mudança na situação política. Antes de Pasadena, do operador-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, das amizades do doleiro Alberto Youssef e dos insistentes repiques da inflação, havia a impressão geral de que Dilma Rousseff tinha se tornado uma candidata imbatível. Não é mais assim.

Embora as pesquisas digam que ela tem inclusive chances matemáticas de vitória no primeiro turno, a maioria dos analistas acredita que o governo irá enfrentar a eleição mais difícil desde que Lula chegou ao Planalto, em 2002. Num sinal da mudança de ventos a favor, Fernando Henrique Cardoso recomenda ao PSDB que cumpra o dever profissional de trabalhar para derrubar Dilma – mas faça isso devagar, para não despertar o “Volta, Lula”.  Com a mesma finalidade, Aécio Neves deixa claro que fará o possível para preservar a presidenta, evitando questionar sua “probidade”. Os petistas andam por caminhos diferentes que apontam para a mesma direção. Elogiam Lula mesmo quando poderiam criticá-lo. E falam mal de Dilma mesmo quando ela merece ser elogiada.

Em terceiro lugar nas pesquisas, Eduardo Campos também assiste a uma elevação no coro que pretende promover a vice Marina Silva ao posto de titular. No fundo, o argumento básico é o mesmo que alimenta o “Volta, Lula” – força nas intenções. Hoje, Marina é a única que encosta em Dilma. A situação de Eduardo Campos é muito diferente, contudo. Não só porque é dono de fato e de direito do PSB, que acolheu Marina quando ela  perdeu o registro do seu partido. Outro problema é que o rebaixamento de Eduardo Campos a vice seria uma aposentadoria precoce, para um político ambicioso a ponto de romper com Lula para garantir um lugar na campanha de 2014.

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A mais duradoura lição aprendida na passagem de 50 anos do golpe de 1964 consiste em lembrar que as boas democracias dispensam tutelas que tolhem a vontade da maioria. Se todos os poderes emanam do povo, como diz o artigo 1 da Constituição, é recomendável que sejam exercidos em seu nome. No país que em 1997 operou uma mudança particularmente dramática – modificar a Constituição para permitir que Fernando Henrique Cardoso disputasse um segundo mandato sem deixar o posto –, não há motivo razoável para se impedir uma troca de candidatos caso aliados e eleitores venham a concluir que é a solução mais adequada para atender à prioridade de todo político – conquistar e permanecer no poder. Escrita com linhas muito tortas, a reeleição tinha um sentido correto, como ficou claro quando FHC venceu o pleito de 1998 ainda no primeiro turno. Manter ou substituir um concorrente envolve uma decisão que deve ser resolvida pelos eleitores, que podem ou não aprovar a escolha dos partidos políticos. Quando o Congresso norte-americano concluiu, após quatro mandatos sucessivos de Franklin Roosevelt, que os presidentes não poderiam cumprir mais de dois mandatos sucessivos no cargo, reformou a Constituição.  

Cabe lembrar, em 2014, duas lições básicas do universo político. Quando deixam o reino da mitologia para retornar à condição de carne-e-osso, os deuses da política podem revelar-se desgraçadamente humanos, fracos e falíveis. O preço não contabilizado do “Volta, Lula” é “Sai daí, Dilma”. Até agora não se descobriu um caminho para impedir que a parte interessada – que inclui não só uma protegida que se tornou presidenta, mas também dezenas de ministros, assessores e vários escalões de Brasília – se sinta tratada sem deslealdade e mesmo traída. Esse é o enigma do “Volta, Lula”.   

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula


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