O piloto brasileiro garante ter lavado a alma ao desobedecer à ordem da Williams no GP da Malásia, afirma estar novamente motivado e diz que o automobilismo também é business

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ALÍVIO
"Tirei um peso gigante das costas",
diz ele sobre sair da Ferrari

 

Felipe Massa não tem um título mundial no currículo. Na 11ª posição da classificação geral da atual temporada de Fórmula 1, ainda não subiu ao pódio neste ano. Mas, apesar de não ter tantos motivos para sorrir, ele é só alegria. O paulistano, que quatro anos atrás perdeu a aura de piloto aguerrido ao cumprir uma ordem da Ferrari e entregar a posição que ocupava em uma corrida para o então companheiro, o espanhol Fernando Alonso, conseguiu, segundo suas palavras, reparar esse erro recentemente. Foi no mês passado, no segundo GP, na Malásia. Na ocasião, o brasileiro recebeu a mesma ordem da Williams, sua atual escuderia, mas recusou-se a dar passagem ao parceiro, o finlandês Valtteri Bottas. Aos 32 anos, casado, pai de Felipe, 4 anos, Massa, hoje, fala o que pensa, um reflexo da transferência de escuderia – da italiana para a inglesa. É o que fica claro na entrevista a seguir.

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"Hoje, é difícil a gente ver um piloto brasileiro correndo
lá fora. Falta talento no automobilismo nacional"

 

 

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"Fiquei amigo do Eric Clapton e, parece estranho, ele virou meu fã.
Ele me escreve antes e depois de toda corrida"

ISTOÉ

Você disse que riu quando ouviu pelo rádio da Williams que o seu companheiro, Valtteri Bottas, estava mais rápido na Malásia e, portanto, você deveria deixá-lo passar. Por quê?

Massa

Era um riso de “de novo não”. Foi usada a mesma construção de frase que escutei da Ferrari, em 2010. Foi uma maneira de eu também reparar a ultrapassagem do (Fernando) Alonso, em 2010 (Felipe abriu para o espanhol, seu companheiro de Ferrari, ultrapassá-lo no GP da Alemanha, seguindo uma ordem da escuderia italiana). Não vai acontecer de novo, não vou seguir a ordem da equipe nessas mesmas condições. No dia seguinte àquele episódio de 2010, eu logo me dei conta que tinha agido errado. E a Ferrari também não gostou do que aconteceu. Ela não repetiria aquilo. Como tenho certeza também de que o Jean Todt (que comandava a escuderia italiana) não faria o que fez em 2002, quando mandou o Rubinho entregar a posição para o Schumacher. 

ISTOÉ

Não obedecer à equipe lhe trouxe problemas?

Massa

Não aceitei (a ordem da Williams) porque não tinha o menor sentido. Tanto que me pediram desculpas. Agora, se chegar no fim do campeonato, meu companheiro estiver disputando o título e eu não, serei o primeiro a tentar ajudá-lo. Fiz isso com o Kimi Raikkonen. O ajudei a ser campeão no GP do Brasil, em 2007, deixando de vencer na minha casa. Quando acabou aquela corrida, estava mal por deixar de vencer no Brasil. Chorei muito no box.

 
ISTOÉ

 Como o público reagiu ao fato de você descumprir a ordem da Williams?

Massa

Recebi cartas, muitas mensagens pelo Twitter, Instagram, e-mail. A maioria era gente me parabenizando, que se dizia com alma lavada, dizendo que o que eu havia feito foi importante para o Brasil. Lavou a minha alma também. Outra vez, não! Agora chega! Não estou ali para passar o carão que já passei (em 2010).

 
ISTOÉ

Quem ficou mais nervoso nesse episódio da ordem de equipe: o Valtteri Bottas com você, que não permitiu que ele o ultrapassasse, ou você com a Williams, que deu a ordem?

Massa

Eu não fiz nada contra o Bottas. Falei para ele que não tinha nada contra ele, que o problema era a ordem da equipe que não era correta. O Bottas não me olha torto, não. Se ele me olhar torto, eu vou olhar torto para ele também. Eu estou preparado para lutar contra ele e contra os outros

ISTOÉ

Essas reações positivas fizeram você entender que naquele episódio de 2010 seria melhor não ter entregado a posição para o Alonso? 

 
Massa

Talvez sim, talvez não. Só eu iria pagar por isso. A minha vontade não era ter feito aquilo, aceitado (a ordem). É muito difícil achar um piloto que gostaria de passar por uma situação como aquela. O que eu estava fazendo era aceitar a ordem da minha empresa. Mas com vontade zero de cumpri-la.  

ISTOÉ

Qual preço pagou por atender à ordem da Ferrari em 2010?

 
Massa

Eu sofri muito, aquilo me fez muito mal, me jogou para baixo durante um tempo. Me fez mal porque é preciso estar bem psicologicamente falando. Depois daquele episódio, toda hora que eu começava uma corrida na frente do Alonso, eu não tinha pensamentos positivos, bons. Ficava imaginando: “O que pode acontecer agora?” Mas nunca entrei em uma corrida pensando em guiar mais ou menos.  

 
ISTOÉ

Se voltar atrás fosse possível, obedeceria à ordem da Ferrari?

 
Massa

Eu não abriria para o Alonso passar, não. Só faria isso se eu e o companheiro estivéssemos em estratégias diferentes e um não disputasse com o outro. Ali, estávamos a 10, 12 voltas do fim da prova. Não havia motivo para deixá-lo passar. Agora, vir para mim uma ordem de equipe na segunda corrida do campeonato, como aconteceu com a Williams? Não há a menor chance de eu abrir passagem, não vou mais abrir passagem. Você percebeu o que aconteceu na última corrida do Bahrein, depois que eu não aceitei a ordem da Williams no GP anterior, na Malásia? Os pilotos da mesma equipe estavam disputando ferozmente entre si. Isso aí, pode ter certeza, é reflexo também de eu não ter aceitado a ordem da equipe. 

 
ISTOÉ

Atender a uma ordem de equipe é um mau exemplo, esportivamente falando?

 
Massa

Não. Você tem de pensar, no final das contas, que uma equipe de Fórmula 1 tem dois pilotos, 900 pessoas trabalhando, que faz dinheiro no campeonato de construtores. Os pontos que o piloto faz significam dinheiro para a equipe. O automobilismo não é só esporte, é business também. 

 
ISTOÉ

Para que se esforçar tanto se é o dinheiro, e não o mérito, que define resultado?

Massa

A essência da Fórmula 1 há 20 anos era outra. Havia menos dinheiro, menos interesse. Os companheiros de equipe batiam roda com roda durante a corrida inteira e as equipes ficavam felizes, porque não mudava nada, para elas, um ou outro chegar na frente. O lado do piloto contava mais. Infelizmente, a coisa mudou. O esporte como um todo mudou e não só a Fórmula 1. O que eu posso fazer? Quando comecei a correr, a coisa já era assim. A Fórmula 1 continua sendo esporte, mas há muitas coisas envolvidas. A vida é agora, o meu momento é esse e eu tenho de pensar o que é melhor para mim e para a equipe. 

 
ISTOÉ

Houve algum momento em que você achou que ficaria desempregado no fim do ano passado, quando a Ferrari disse que não renovaria o seu contrato? 

 
Massa

Teve. Eu não queria correr em uma equipe pequena para ficar no final do grid. Queria uma equipe com potencial. Passou pela minha cabeça me aposentar da Fórmula 1. Tive de reduzir o salário, porque assinei por três anos com a Williams, que é uma equipe que investe no futuro e não é uma Ferrari, a maior da categoria. 

 
ISTOÉ

Sair da Ferrari foi um bom negócio?

Massa

Foi. Tirei um peso gigante das costas. Estava desmotivado já nos últimos dois anos. Eu queria mudar, não queria ficar. Foram oito anos de equipe como piloto oficial. Sempre fui profissional. Até demais, muitas vezes. Era algo que eu estava precisando. E a Ferrari também. Hoje, quando falo o que penso sobre o carro, o que não está certo e precisa mudar, as coisas mudam de uma hora para a outra. Eu estou sendo uma peça importante dentro da Williams, me sinto mais livre e desejado. Às vezes, você pensa: “O cara corre pela Ferrari, tem um trabalho desejado por muitos como piloto de Fórmula 1.” Mas, no final da história, a gente tem mais é que se sentir bem e não apenas estar na Ferrari, dentro de um carro dos sonhos e ter um contrato incrível. Eu estava precisando disso, de me encontrar e começar de novo. 

 
ISTOÉ

 A Fórmula 1 alimentou o orgulho nacional por muito tempo graças a pilotos como Ayrton Senna, Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet. Por que você não conseguiu dar sequência a isso?

 
Massa

Eu tive a chance (de ser campeão mundial, em 2008). Perdi um campeonato na última curva, nos últimos metros, em um ano em que fiz um trabalho magnífico, ganhei o maior número de corridas. Não aconteceu porque Deus sabe melhor que qualquer um. Sempre mostrei garra e o máximo para conquistar (um título mundial). Ser campeão mundial segue sendo o meu sonho e é mais uma vontade própria do que uma pressão. Quero ser campeão porque eu tenho essa vontade e não porque me sinta obrigado.

 
ISTOÉ

Você é um piloto azarado?

 
Massa

Se for olhar aquele campeonato em que perdi na última curva, pode-se pensar que eu tive azar. Mas, um cara que chocou a cabeça em uma mola a mais de 300 km/h, sobreviveu ao acidente e voltou a correr, não dá para dizer que é azarado. Eu poderia não estar aqui! E outra coisa: saí da Ferrari, passei a conversar com a Lotus e acabei indo para a Williams. Se tivesse ido para a Lotus, eu estaria andando em último hoje. Não se pode dizer que eu sou azarado, viu?

 
ISTOÉ

Por que o automobilismo brasileiro não revela mais talentos?

 
Massa

Tem de haver uma mudança grande na Federação Brasileira de Automobilismo, que é muito fraca. Não temos uma categoria de fórmula depois do kart. Está feia a coisa. Eu montei uma para ajudar os pilotos que saem do kart a ter uma categoria-escola e poder chegar à Europa mais preparado. Durou dois anos e fechei porque não tinha ajuda da federação, faltava piloto. Tentei ajudar, não adiantou e perdi dinheiro no final das contas. Falta também a gente encontrar um piloto com nível alto para chegar à Fórmula 1. Quando cheguei à Europa, havia um brasileiro em cada categoria, Fórmula Renault, Fórmula 3, Fórmula 3000, nos Estados Unidos também. Hoje, é difícil a gente ver um piloto brasileiro correndo lá fora. Falta talento no automobilismo nacional.

ISTOÉ

Soube que você tem uma guitarra que pertenceu ao Eric Clapton. Você faz coleção ou toca alguma coisa?

 
Massa

Na verdade, não entendo nada de rock. É que eu fiquei amigo do Eric Clapton e, parece muito estranho, ele virou meu fã. Ele me escreve antes e depois de toda corrida e, inclusive, dedicou um show para mim no Brasil. Ele veio me procurar em uma festa do príncipe do Bahrein, após assistir à corrida. Jogamos sinuca, conversamos e combinei de dar um capacete para ele, que me presenteou com uma guitarra. Nessa última corrida, por exemplo, o Eric me escreveu dizendo que estava torcendo e desejou boa sorte. Ao final, escreveu de novo: “Que largada! Que corrida!” 

 
ISTOÉ

Você é um pai que acompanha o filho de perto?

 
Massa

Sou um bom pai. Tenho o filho que sempre sonhei. Felipinho é uma figura. Sou um pai bem próximo, levo e busco o Felipinho na escola, o acompanho na escolinha de futebol, brinco e faço muita besteira com ele. Já está com 4 anos, o tempo passa.