O carrasco nazista Rudolf Höss (1901-1947) comandou friamente a morte de mais de um milhão de pessoas no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. No entanto, fraquejou diante de um judeu armado com uma faca, que ameaçava arrancar seu dedo. Um dos maiores criminosos da história, que fugiu e usou nome falso terminada a Segunda Guerra Mundial, Höss acabou entregando sua aliança de casamento e revelando sua identidade. Quem o capturou foi o alemão de origem judaica Hanns Alexander, cuja história é contada pelo seu sobrinho-neto, o jornalista inglês Thomas Harding, no livro “Hanns & Rudolf” (Rocco). O autor mostra como o ex-combatente, sem o traquejo de investigadores experientes, foi implacável e eficiente nas buscas e nos interrogatórios. Alexander agiu movido pelo ódio de quem sentiu na pele a perseguição aos judeus em Berlim, onde nasceu, e viu de perto as atrocidades do campo de concentração de Belsen. Trabalhou pela Justiça, mas também aplacou, em parte, sua fome de vingança.

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FIRMEZA
Hanns Alexander agiu movido pela vingança e demonstrou astúcia
e sangue-frio ao identificar criminosos de guerra. Rudolf Höss,
por exemplo, revelou o nome ao lhe entregar sua aliança

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Harding começou sua pesquisa após a morte do tio-avô, aos 89 anos, em 2006. Teve acesso a gravações e cartas de família e entrevistou sobreviventes da guerra. Concluiu que a atitude de Alexander não teria sido a mesma se não tivesse carregado pessoalmente para a vala comum centenas de corpos, em sua maioria de judeus mortos por doenças ou pela fome. “Havia corpos mortos andando, corpos mortos deitados, gente que achava que estava viva, mas não estava”, contou Alexander sobre Belsen, numa descrição que beira o surrealismo. As notícias do extermínio em massa nas câmaras de gás ainda eram rumores, mas foram sendo confirmadas em depoimentos tomados pelo caçador de nazistas, que interrogou, entre outros, Franz Hössler, um ex-funcionário de Auschwitz. Foi um dos primeiros a revelar o nome do “kommandant” daquela máquina de morte, Rudolf Höss.

Alexander percorreu praticamente todo o território alemão em busca dos algozes de seu povo, mas seu principal objetivo era pôr as mãos em Höss. Antes de atingir seu objetivo, ele recebeu a missão de prender Gustav Simon, chefe da administração nazista durante a ocupação de Luxemburgo. O maior orgulho dele foi deixar esse território “judenfrei” (livre de judeus). Depois de percorrer 2.400 quilômetros durante 17 dias, seguindo pistas do carrasco, Alexander encontrou o criminoso próximo à cidade de Paderborn (região central da Alemanha). Simon se suicidou na prisão, mas Alexander fez questão de entregar o corpo ao Poder Judiciário luxemburguês.

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CONDENAÇÃO
A prisão do capitão da SS Rudolf Höss (ao centro), que comandou os campos
de concentração de Auschwitz e Belsen: enforcado após julgamento

A dedicação do judeu alemão que passou para o lado inglês foi reconhecida pelas autoridades britânicas. Alexander chegou a ser promovido a capitão da chamada First War Crimes Investigation Team (Primeira Equipe de Investigação de Crimes de Guerra). Sua missão pessoal não cumprida foi encontrar sua tia Cäcilie Bing, única parente próxima da próspera família que não conseguiu emigrar para a Inglaterra. Seu destino foi Auschwitz, conforme soube nos arquivos da Cruz Vermelha. Durante sua peregrinação, retornou à Berlim de sua infância, então praticamente destruída. As ruínas da clínica de seu pai faziam parte desse cenário. Em março de 1946, Alexander encontrou a família de Höss já numa prisão na cidade de Lunden. Diante da insistência de Hedwig de que o marido estava morto, ele usou de uma tática impiedosa: disse que o trem que acabara de chegar à cidade levaria o filho do casal para a Sibéria caso ela não colaborasse. A mulher acabou dando pistas do paradeiro do nazista. Harding revela que seu tio-avô foi quem encontrou Höss numa fazenda na localidade de Gottrupel. Não evitou que seu grupo desse uma surra no carrasco, mas preferiu evitar uma execução e optou por levar o ex-kommandant a julgamento público. Antes de ser enforcado, em 16 de abril de 1947, no próprio campo que comandou, Höss relatou por escrito as barbaridades do Holocausto. A maior contribuição de Alexander foi, portanto, ajudar a provar fatos que hoje ainda deixam muitos incrédulos. 

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