Se as eleições municipais da semana passada na França significaram uma catástrofe para o presidente socialista François Hollande, para os conservadores o resultado das urnas foi consagrador. Pela primeira vez na história a direita vai controlar mais da metade dos municípios de médio porte. A esquerda perdeu em Toulouse, quarta maior cidade do País, e Limoges, comandada pelos socialistas desde 1912. Ambas passaram ao comando da União por um Movimento Popular (UMP). Outra surpresa foi protagonizada pela Frente Nacional (FN), partido que tem como bandeiras a intolerância com imigrantes e homossexuais. Comandada por Marine Le Pen, filha do notório xenófobo Jean-Marie Le Pen, a FN obteve votação recorde. Elegeu prefeitos em nove cidades com mais de dez mil habitantes, ficou com o 7º Distrito de Marselha (onde vivem 150 mil pessoas) e fez 1,5 mil vereadores pelo país. Com isso, a Frente Nacional tornou-se a terceira maior força política da França, atrás da UMP e do Partido Socialista (PS) de Hollande. A capital Paris manteve-se como a “pièce de résistence” da esquerda, com a eleição da feminista Anne Hidalgo, do mesmo partido do presidente.

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PODER
Filha do xenófobo Jean-Marie Le Pen, a reacionária Marine Le Pen
tornou-se uma das novas lideranças políticas da França

Com uma taxa de desemprego em torno de 10%, uma das mais altas da história, e um crescimento econômico pífio, de 0,3% ao ano, os franceses usaram as urnas para mostrar seu descontentamento com Hollande. “Nesse cenário, o discurso conservador deixa de ser impopular e passa a ser visto como alternativa”, diz Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Até a abstenção recorde de 37% é resultado do descrédito com os políticos em geral e com o presidente em particular. “As eleições municipais na França sempre serviram como uma espécie de plebiscito sobre a aprovação do governo federal”, diz Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político e diretor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

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VAZIO
À espera de eleitores: abstenção recorde de 37% é resultado do
descrédito com os políticos em geral e com o presidente Hollande em particular

Quais são os riscos do avanço da extrema direita? Para Monteiro, a Frente Nacional de Marine Le Pen está “domesticada” e deve “endurecer a política com os imigrantes, mas sem instaurar uma república que quer expulsar os estrangeiros”. O crescimento dos partidos ultraconservadores não é um fenômeno exclusivamente francês. Em 2012, o nacionalista Aurora Dourada abocanhou 7% dos votos para o Parlamento grego, o que também representou um recorde, e a onda nacionalista ganhou pontos em países como Espanha, Dinamarca e Finlândia. Em fevereiro passado, um referendo na Suíça estabeleceu cotas para estrangeiros, e na Alemanha e Inglaterra o governo tem discutido propostas para limitar o número de cidadãos não europeus. Recentemente, a revista inglesa “The Economist” se debruçou sobre o tema e concluiu que pelo menos 10% do próximo Parlamento Europeu, a ser eleito no fim de maio, será constituído por representantes de ultradireita.

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Hollande entendeu o recado. Célere, anunciou que reduzirá o número de ministérios pela metade, numa iniciativa chamada de populista pela imprensa local. Criticado ao mesmo tempo por socialistas e conservadores, cometeu o grave pecado de governar para e com os dois lados – o resultado é uma administração caótica, que não sabe para onde vai. Manuel Valls, o novo primeiro-ministro, é um liberal que reconhece que defenderá matizes centristas, mas estranhamente se declara um “homem de esquerda”. O Ministério da Economia terá dois comandos. De um lado, Arnaud Montebourg, que faz parte da extrema esquerda do Partido Socialista, e de outro Michel Sapin, um liberal que terá a missão de fazer a interlocução com a União Europeia. Em pronunciamento feito na segunda-feira 31, Hollande disse que seu novo gabinete terá três objetivos: recuperação econômica, justiça social e união. O discurso é bonito, mas a prática é inócua.

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Fotos: Claude Paris File/AP Photo; THIERRY ZOCCOLAN/AFP PHOTO