O mundo tem muitos motivos para lamentar a crise Rússia-Ucrânia, mas o conflito, pelo menos por enquanto, pode fazer bem ao Brasil. O acirramento das tensões entre russos e ucranianos, a anexação da Crimeia pelo Kremlin e as consequentes ameaças de sanções das potências do Ocidente provocaram o que os especialistas chamam de efeito manada nos grandes investidores internacionais. Nos três primeiros meses de 2014, saíram da Rússia US$ 70 bilhões, o equivalente a R$ 159 bilhões. O motivo é simples: assustados com os desdobramentos da crise, os donos do dinheiro estão em busca de portos mais seguros. Não existe nenhum estudo que comprove a relação direta entre uma coisa e outra, mas alguns indicadores apontam que os países emergentes são o destino preferido desses investidores. Uma análise mais atenta ao movimento da Bolsa de Valores de São Paulo mostra que o Brasil vem recebendo recursos extras do Exterior, sem que houvesse um fator interno que justificasse a entrada de capital. Entre 1º e 20 de março, o capital estrangeiro comprou o equivalente a US$ 550 milhões em ações negociadas na Bovespa. Detalhe importante: esse indicador estava negativo nos últimos dois meses.

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DEBANDADA
Tropas russas na Crimeia: assustados com o conflito,
investidores tiram dinheiro da Rússia

A Rússia vive um período econômico crítico. Desde janeiro, a bolsa de valores local caiu cerca de 20% e o rublo, moeda nacional, desvalorizou-se quase 8% ante o dólar. O Banco Mundial, que antes da crise ucraniana previa um crescimento de 2,2% para a economia russa em 2014, agora já trabalha com um encolhimento de 1,8%. Enquanto isso, o Brasil, se ainda não retomou o esperado ritmo de crescimento, produz sinais que justificam algum otimismo. Na semana passada, o Ibovespa, índice que mede o desempenho das ações cotadas na bolsa de São Paulo, recuperou finalmente as perdas do ano, recuperação essa desencadeada pelo fluxo crescente de investimentos estrangeiros. Na quarta-feira 2, Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, deu mais um motivo para que especuladores internacionais coloquem dinheiro no Brasil. O BC aumentou a taxa de juros para 11% ao ano – quanto mais altos os juros, mais ganhos para os investidores. O ex-economista-chefe da Febraban Roberto Luis Troster diz que isso explica o ingresso de capital estrangeiro. “O fluxo de recursos para o Brasil se deve ao ambiente interno”, diz.

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NAS ALTURAS
Alexandre Tombini, presidente do Banco Central:
alta de juros atrai especuladores internacionais

Não é apenas o mercado acionário brasileiro – sujeito às variações de humor dos investidores e, portanto, capaz de tomar um rumo diferente de uma hora para outra – que pode se beneficiar da turbulência russa. “Caso exista alguma sanção europeia ou americana, a Rússia virá buscar no Brasil os produtos importados desses países”, diz Gilmar Menezes, diretor-superintendente da Câmara Brasil Rússia. “Os principais beneficiados seriam os produtores de frangos, bovinos e suínos. Podemos estimar nesses segmentos um crescimento de mais 15%.” Autoridades confirmam que os produtos brasileiros estão mesmo na mira. Em entrevista publicada na semana passada no jornal “A Gazeta Russa”, Konstantin Kamenev, cônsul-geral da Rússia em São Paulo, declarou que as possíveis sanções de Barack Obama podem fortalecer os laços econômicos com o Brasil. Atualmente, a balança comercial Brasil-Rússia é de US$ 6 bilhões, mas a meta é ampliá-la para US$ 10 bilhões em um período de três anos. “Se sanções forem impostas, redirecionaremos nossos negócios e faremos melhor uso do potencial existente na América do Sul”, confirmou Alexey Nemeryuk, diretor do Departamento de Comércio e Serviços da Rússia.

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Para José Roberto Cunha, especialista em economia internacional do Programa de Comércio Exterior Brasileiro (Proceb), o crescimento das exportações brasileiras à Rússia deve ser residual. “As declarações dos dirigentes dessas potências são, em parte, jogo de cena”, diz. “Eles sofrem pressões de grupos econômicos internos que não têm interesse em boicote de nenhuma das partes.” Oficialmente, o Brasil não se posicionou a respeito da crise Rússia-Ucrânia, o que pode causar algum tipo de embaraço. “Queríamos que o nosso parceiro estratégico (o Brasil) não ficasse em cima do muro”, declarou o embaixador ucraniano no País, Rostyslav Tronenko.

Fotos: AFP/Photo/Olga Maltseva; Eduardo Knapp/Folhapress