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Uma secreta inadequação atravessa a trajetória da atriz americana Grace Kelly, uma das mulheres mais lindas e elegantes de Hollywood, que abandonou o cinema com apenas dez filmes no currículo para se tornar princesa de Mônaco. No auge da carreira e tendo estrelado algumas das melhores obras de Alfred Hitchcock, Grace era considerada persona non grata pelo estúdio MGM, com o qual mantinha exclusividade. Encontrava-se justamente na geladeira e sem receber salário quando concorreu ao Oscar e levou para casa a estatueta, uma noite que ela definiu como o momento mais solitário por que passou. A hipótese de sua vida não ter sido o conto de fadas que fez dela um mito – interrompido pelo trágico acidente de carro, em 1982, aos 52 anos – ganha ressonância com a conturbada realização de sua cinebiografia, escolhida para abrir o Festival de Cannes, em maio. Após ficar na lista negra dos estúdios, o filme teve a estreia adiada várias vezes desde dezembro devido a desentendimentos entre o diretor francês Olivier Dahan e a sua distribuidora nos EUA. A briga fez bem às editoras, que aproveitaram a oportunidade para colocar nas prateleiras livros e livros sobre a estrela de “Janela Indiscreta”. Dois deles chegam ao mesmo tempo às livrarias brasileiras: “Grace, a Princesa de Mônaco” (Leya), de Jeffrey Robinson, e “Grace Kelly – A Vida da Princesa de Hollywood” (Prata), de Donald Spoto.

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AMORES DE UMA LOIRA
Grace Kelly dizia que gostava de se apaixonar. Entre os seus
amantes se alinharam os atores  Ray Milland, William Holden,
Jean-Pierre Aumont e o estilista Oleg Cassini

No Brasil, baixou a poeira da polêmica sobre biografias mas o confronto dessas duas obras serviria de exemplo para os limites dos relatos autorizados e as vantagens daqueles feitos sem a interferência do retratado. Próximo do príncipe Rainier III (1923-2005), principal fonte de seu livro, Robinson passa ao largo dos romances anteriores da atriz. Nega a relação com Bing Crosby (era ele quem a assediava, escreve, ao contrário, Spoto) e afirma que a fama de “devoradora de homens” (Ray Milland quase largou a família para viver com ela) foi uma maldade inventada pela colunista Hedda Hopper. Robinson sugere ainda que o fato de o carro de William Holden ter sido visto várias vezes diante da casa de Grace era “porque estava emprestado a um dos amigos da atriz”. A versão de Spoto é menos carola: “A ligação durou cerca de três semanas. (…) Em poucos dias Holden encontrou consolo em outros braços.”

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O escritor Donald Spoto, autor de “Grace Kelly”, conheceu a atriz ao entrevistá-la
para a sua biografia de Alfred Hitchcock. Jeffrey Robinson, que lança
“Grace”, teve o aval do Príncipe Rainier III, viúvo da atriz

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Spoto conheceu Grace Kelly em 1975, quando estava escrevendo sobre a vida e a obra de Alfred Hitchcock. Perguntada se não cogitava em contar sua história, ela respondeu que era ainda muito jovem – e acrescentou com ironia que tudo o que estava lhe dizendo de caráter pessoal só poderia ser revelado 25 anos após a sua morte. O autor levou a recomendação a sério, mas quebrou o protocolo em prol de um retrato mais próximo da realidade. Desmistificando o clima de conto de fadas (Grace era de família rica, afinal), Spoto deixa claro que ela não trocou o set pela vida palaciana movida pelo amor idealizado. Na verdade, ela não suportava mais as exigências da máquina de Hollywood e achava que o alto salário não pagava a solidão da fama. “Era impossível ser razoável com aqueles homens”, disse sobre os executivos do estúdio. A MGM queria que a atriz interpretasse, aos 25 anos, uma personagem de 40. Ela argumentou que “a beleza da história estava no fato de acontecer com uma mulher mais velha e frágil” – e não fez a fita. Caiu em desgraça. Numa viagem à Jamaica, tirou fotos sem maquiagem e de cabelos molhados, saindo do mar, tipo de material proibido na publicidade de Hollywood nos anos 1950. Mais ligado nesses detalhes, o livro de Robinson conta que ela foi também de cabelos molhados – e de vestido amarrotado – para encontrar Rainier em Mônaco – faltou energia elétrica no hotel. Cego pela sua beleza, o príncipe nem notou o desalinho.  

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Fotos: Divulgação