28/03/2014 - 20:50
Uma secreta inadequação atravessa a trajetória da atriz americana Grace Kelly, uma das mulheres mais lindas e elegantes de Hollywood, que abandonou o cinema com apenas dez filmes no currículo para se tornar princesa de Mônaco. No auge da carreira e tendo estrelado algumas das melhores obras de Alfred Hitchcock, Grace era considerada persona non grata pelo estúdio MGM, com o qual mantinha exclusividade. Encontrava-se justamente na geladeira e sem receber salário quando concorreu ao Oscar e levou para casa a estatueta, uma noite que ela definiu como o momento mais solitário por que passou. A hipótese de sua vida não ter sido o conto de fadas que fez dela um mito – interrompido pelo trágico acidente de carro, em 1982, aos 52 anos – ganha ressonância com a conturbada realização de sua cinebiografia, escolhida para abrir o Festival de Cannes, em maio. Após ficar na lista negra dos estúdios, o filme teve a estreia adiada várias vezes desde dezembro devido a desentendimentos entre o diretor francês Olivier Dahan e a sua distribuidora nos EUA. A briga fez bem às editoras, que aproveitaram a oportunidade para colocar nas prateleiras livros e livros sobre a estrela de “Janela Indiscreta”. Dois deles chegam ao mesmo tempo às livrarias brasileiras: “Grace, a Princesa de Mônaco” (Leya), de Jeffrey Robinson, e “Grace Kelly – A Vida da Princesa de Hollywood” (Prata), de Donald Spoto.
AMORES DE UMA LOIRA
Grace Kelly dizia que gostava de se apaixonar. Entre os seus
amantes se alinharam os atores Ray Milland, William Holden,
Jean-Pierre Aumont e o estilista Oleg Cassini
No Brasil, baixou a poeira da polêmica sobre biografias mas o confronto dessas duas obras serviria de exemplo para os limites dos relatos autorizados e as vantagens daqueles feitos sem a interferência do retratado. Próximo do príncipe Rainier III (1923-2005), principal fonte de seu livro, Robinson passa ao largo dos romances anteriores da atriz. Nega a relação com Bing Crosby (era ele quem a assediava, escreve, ao contrário, Spoto) e afirma que a fama de “devoradora de homens” (Ray Milland quase largou a família para viver com ela) foi uma maldade inventada pela colunista Hedda Hopper. Robinson sugere ainda que o fato de o carro de William Holden ter sido visto várias vezes diante da casa de Grace era “porque estava emprestado a um dos amigos da atriz”. A versão de Spoto é menos carola: “A ligação durou cerca de três semanas. (…) Em poucos dias Holden encontrou consolo em outros braços.”
O escritor Donald Spoto, autor de “Grace Kelly”, conheceu a atriz ao entrevistá-la
para a sua biografia de Alfred Hitchcock. Jeffrey Robinson, que lança
“Grace”, teve o aval do Príncipe Rainier III, viúvo da atriz
Spoto conheceu Grace Kelly em 1975, quando estava escrevendo sobre a vida e a obra de Alfred Hitchcock. Perguntada se não cogitava em contar sua história, ela respondeu que era ainda muito jovem – e acrescentou com ironia que tudo o que estava lhe dizendo de caráter pessoal só poderia ser revelado 25 anos após a sua morte. O autor levou a recomendação a sério, mas quebrou o protocolo em prol de um retrato mais próximo da realidade. Desmistificando o clima de conto de fadas (Grace era de família rica, afinal), Spoto deixa claro que ela não trocou o set pela vida palaciana movida pelo amor idealizado. Na verdade, ela não suportava mais as exigências da máquina de Hollywood e achava que o alto salário não pagava a solidão da fama. “Era impossível ser razoável com aqueles homens”, disse sobre os executivos do estúdio. A MGM queria que a atriz interpretasse, aos 25 anos, uma personagem de 40. Ela argumentou que “a beleza da história estava no fato de acontecer com uma mulher mais velha e frágil” – e não fez a fita. Caiu em desgraça. Numa viagem à Jamaica, tirou fotos sem maquiagem e de cabelos molhados, saindo do mar, tipo de material proibido na publicidade de Hollywood nos anos 1950. Mais ligado nesses detalhes, o livro de Robinson conta que ela foi também de cabelos molhados – e de vestido amarrotado – para encontrar Rainier em Mônaco – faltou energia elétrica no hotel. Cego pela sua beleza, o príncipe nem notou o desalinho.
Fotos: Divulgação