O que acontece quando um matemático e professor de filosofia decide enfrentar a violência urbana? Ele a vence. A história não é nova. Mas é oportuno contá-la novamente.

Há duas semanas, em evento na cidade do Recife, tive a chance de conversar com o ex-prefeito de Bogotá, capital da Colômbia, Antanas Mockus. Por dois mandatos, de 1995 a 1997 e de 2001 a 2003, Mockus liderou a cidade num esforço para retomá-la das mãos dos traficantes de drogas. Até meados dos anos 1990, as áreas públicas em quase todo o país não mais pertenciam aos cidadãos colombianos. O poder político também havia sido informalmente tomado pelos chefões dos cartéis.

Mockus não tinha, entre seus atributos, a experiência em ações policiais. Usou mais o intelecto do que a força bruta para banir o crime. Deu aos habitantes de Bogotá a real sensação de que a cidade era deles. Protegeu as pessoas, não as forçando a ficarem em casa, mas levando-as para as ruas, praças, bibliotecas públicas, ciclovias.

A estratégia era claramente a de banir o crime e o medo ao mesmo tempo. Além disso, criou estatísticas confiáveis e transparentes e ocupou com serviços públicos de qualidade os locais que antes eram reduto de criminosos.

Claro que muitos morreram antes que Mockus triunfasse. Dos dois lados da guerra. Mas o prefeito não comemorou as batalhas que venceu. Nas favelas, depois dos embates, lamentava os bandidos caídos, os jovens traficantes e suas vidas desperdiçadas. Mockus transmitia uma clara mensagem sobre a importância da vida – de cada vida. Foi um polêmico. Mas foi um vencedor.

Mockus me contou que um dia, num cemitério onde estavam sendo enterradas várias vítimas de um tiroteio entre policiais e traficantes, a mãe de um jovem inocente chorava a perda do filho. Era um morador da favela. Trabalhador. Seu irmão mais novo também estava ali, carregando um ramo de flores. O menino percebeu que, em muitas das outras sepulturas, não havia pranto, nem visitas, nem nada. O garoto então repartiu as flores e, uma a uma, colocou-as sobre os túmulos, sem fazer distinção entre mocinhos e bandidos. A história, disse Mockus, é para ele o símbolo mais forte de que a guerra estava ganha. Não aquela contra os cartéis, mas a guerra contra a barbárie.

Mockus deixou um legado de humanização em que antes havia terra arrasada. O resto é populismo. Autoridades que incitam a população a desejar pilhas de criminosos mortos estão transferindo para o outro a responsabilidade pelo fracasso na manutenção da segurança pública. Quem comemora a morte começa a acreditar que cenas de guerra civil no dia a dia das cidades são normais. E a morte por arma de fogo não é normal, não é aceitável.

O Brasil registra avanços pontuais e muitas vezes cosméticos na repressão à violência urbana. Prevenção ainda está longe de ser a tônica da ação pública e, acima de tudo, não há um plano federal contra o crime. Por isso, policiais continuam sendo mortos em comunidades já consideradas pacificadas no Rio de Janeiro. Na Colômbia, Mockus não estava sozinho. Havia uma política federal e um país inteiro determinado a vencer com ele. Aqui há cidadãos com medo e autoridades públicas federais que usam o cinismo como arma
de combate ao crime. Não vai dar certo.

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária