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PRIMÓRDIOS
Machu Picchu: para nós, beleza; para os incas, construções estressantes

Conhecido como um dos males do nosso tempo, o stress não é exclusividade deste século nem do anterior. Muito antes da era do trânsito caótico, e até mesmo da Revolução Industrial, a civilização inca, que viveu entre 550 e 1532, já sofria desse mal. A conclusão é de uma equipe de arqueólogos da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, que analisaram amostras de cabelo de restos mortais de dez indivíduos, provenientes de cinco diferentes sítios arqueológicos no Peru. Os pesquisadores encontraram cortisol – hormônio responsável pelo stress – em níveis superiores aos verificados em pessoas que passaram por estudos clínicos recentes. “O cortisol estava mais alto naqueles que, depois de alcançar tais níveis, morreram. Esses indivíduos podem ter desenvolvido uma doença que levou algum tempo para matá-los e essa talvez tenha sido a causa do stress”, diz a arqueóloga Emily Webb, que conduziu a pesquisa.

Quando alguém se estressa, o cortisol é liberado para quase todas as partes do corpo, o que inclui sangue, saliva, urina e cabelo. Por isso, os cientistas canadenses aliaram métodos tradicionais da arqueologia, como pesquisa de campo e escavação, com novas técnicas de estudo bioquímico. “Agora podemos ter um bom retrato de como era a vida de nossos ancestrais e como eles respondiam a intempéries como as doenças”, diz Emily. Mais importante, porém, segundo a arqueóloga, é entender melhor o stress e como ele nos afeta: “Tanto nas sociedades ancestrais como nas contemporâneas, tem papel significante na saúde e na qualidade de vida”, diz ela. “Apesar de o stress que as pessoas experimentavam no passado ser diferente do que temos hoje, o estudo nos ajudará a entender melhor o seu impacto tanto no lado psicológico como em termos de bem-estar.”

A civilização inca ha­bitou territórios da América do Sul que hoje compõem o Chile e fazem parte do Peru, Equador, Bolívia e Argentina. É dela a autoria de uma das construções mais enigmáticas da história humana: a cidade de Machu Picchu, conjunto de edificações localizado no Peru, que recebe milhares de turistas to­dos os anos.

Além de possuir avançados conhecimentos de astronomia, os incas dominavam técnicas de construção baseadas no encaixe milimétrico de pedras de diferentes formatos, o que torna impossível a passagem de qualquer objeto por entre elas. A forma como eles cortavam as pedras permanece um mistério. Esse conhecimento foi suprimido sumariamente quando os espanhóis chegaram à região, em 1532. Eles aproveitaram o episódio de uma guerra entre clãs para exterminar a população e dominar o território. Machu Picchu, porém, foi preservada.
Antes de morrer golpeado por um soldado espanhol, um inca certamente teve seus níveis de cortisol rapidamente aumentados. A análise nos fios de cabelos verificou que muitos indivíduos tiveram eventos de stress pouco antes da morte. A maioria, porém, apresenta múltiplas ocorrências semelhantes ao longo dos últimos anos de vida.

“É possível que o stress tenha aumentado nesses indivíduos quando eles estavam à beira da morte. Por outro lado, o fim da vida pode acontecer de repente, sem tempo de haver mudanças nos níveis de cortisol que cheguem até o cabelo”, diz Emily. Sua equipe agora está comparando os dados de cortisol com outras análises bioquímicas das amostras. Com esse novo passo da pesquisa, os arqueólogos pretendem avaliar melhor o que estava acontecendo na vida de cada indivíduo à época de sua morte, o tipo de stress vivido e a relação desse estado mental com a saúde e o comportamento.

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Além das doenças, tudo que um indivíduo percebe como sendo stress – seja psicológico, seja social – tem efeito sobre seus níveis de cortisol. Portanto, períodos de seca, problemas nutricionais e ferimentos podem ser outros fatores que tiravam a paz do povo inca. A partir de agora, será preciso pensar bem antes de dizer que não pode haver nada mais estressante no mundo do que um engarrafamento numa sexta-feira à tarde.

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