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Pense na amarrotada e extenuada figura do clássico executivo de média gerência zanzando pelos salões de um aeroporto brasileiro. Pela manhã, ele saiu de casa, banho tomado, terno de tecido sintético sobre camisa branca bem passada pela patroa, gravata lembrando-lhe a cada segundo dos apertos das metas e das vendas que insistem em não subir. O sofrido trajeto ao aeródromo só reforça seus questionamentos sobre o que tem feito de sua existência nesses últimos 19 anos. Um mar de carros espremidos nas faixas da avenida dos Bandeirantes, a larga e entupida veia paulistana que conduz a Congonhas. Ao chegar lá, a camisa já começa a molhar, o colarinho amassa, a fuligem cola no rosto e nada garante uma chegada decente e composta ao destino final, uma reunião de vendas na filial do Meier, lugar quente e distante do centro. Só uma coisa na mente do nosso elemento é capaz de pintar com cores mais divertidas um dia em tons de cinza que nada tem a ver com as fantasias de Christian Grey: a voz dos aeroportos do Rio.

Só de pensar em se deixar penetrar pelo som de veludo cotelê daquela voz, o gerente já sente um jato do melhor ar-condicionado springer circulando pelos corredores internos de seu costume. Um sopro de vida boa invade todos os poros do assalariado e, ao mesmo tempo que refrigera sua carcaça, lhe aquece levemente o coração. “Atenção, senhores passageiros. Evitem deixar suas bagagens desacompanhadas…” Pouco importa o texto, o meio ou a mensagem. Tudo o que interessa são aqueles lábios, de quem, parafraseando o título do belo livro e do mais belo ainda longa-metragem, nosso amigo ouviria as piores notícias pronunciadas por eles sem achar ruim. Uma mistura de luxúria com a sensação de acolhimento, uma religação com a vida interior, o reconectar com a afetividade. Tudo aquilo que o mundo corporativo foi tomando do fulano em questão em troca de um contracheque e de um plano de saúde sem direito a internação vai sendo replugado em suas veias.

Essa espécie de superpoder foi dada pelo papai do céu a uma mulher que, como se não bastasse ser a destinatária de tamanha graça, ainda recebeu como bônus, uma beleza de fazer  até uma múmia sair dançando um pas de deux inspirado pelos salões do aeroporto.

Estamos falando do mito Iris Lettieri. Na década de 60, provavelmente havia pouquíssimas mulheres mais lindas do que Iris neste país. Se a foto acima não bastar para convencê-lo, dê uma entrada no site www.irislettieri.com.br. Lá você verá mais imagens desta belíssima diva dotada da voz mais sexy e aconchegante do Brasil.

A pequena Iris começou na locução de rádio aos 16 anos, puxando o pai, radialista (sua mãe era professora de piano, canto e dicção). Na tevê estreou em 59. Fez teleteatro como atriz, migrou para o jornalismo, trabalhou na Tupi e na TV Manchete apresentando telejornais  por décadas e, desde 76, em paralelo, fez as locuções que encantaram, acalmaram e, por que não, seduziram milhões de passageiros vítimas do cansaço e da ineficiência estrutural de nossos aeroportos.

Em dezembro do ano passado, pasmem, Iris foi demitida aos 73 anos de idade, depois de 37 de bons serviços prestados não só nos aeroportos do Rio, mas também em outros do país como os terminais de Guarulhos e Congonhas, em São Paulo. Os argumentos passavam pela privatização dos terminais, pela extinção dos avisos sonoros no saguão e pela adaga da redução de custos.

Agora a boa notícia: num momento de iluminação, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, escreveu uma carta ao consórcio Aeroportos do Futuro, liderado pela Odebrecht, novo concessionário dos aeroportos cariocas, rogando pela readmissão da profissional. Concomitantemente, ainda mandou aos órgãos competentes petição para que a voz de Iris seja tombada como patrimônio imaterial da cidade do Rio de Janeiro. Pasmem novamente: a empresa afirma que acatará o pedido e readmitirá a bela Iris, que, para regozijo nacional, deverá voltar a nos indicar caminhos, rotas e saídas neste que parece ser um dos períodos mais estranhos e sem rumo de nossa história recente.

Foto: Lucy Léa/Ag. o Globo