Um telescópio cravado no gelo do Polo Sul foi responsável por captar, pela primeira vez na história, sinais da súbita expansão ocorrida no universo uma fração de segundo após o Big Bang, a explosão que deu origem ao espaço e ao tempo, 13,8 bilhões de anos atrás. O anúncio, feito por um grupo americano de cientistas, confirma a teoria conhecida como inflação cósmica, proposta pelos físicos Alan Guth, Andrei Linde e Paul Steinhardt no início da década de 1980 e, desde então, aceita como a mais plausível para explicar a atual configuração das galáxias. “Esta é uma janela para um novo mundo da física, aquele que ocorreu na primeira fração de segundo do universo”, disse John Kovac, astrônomo do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian e líder dos pesquisadores do telescópio Bicep2.

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ISOLADO
Construído no Polo Sul, o radiotelescópio  Bicep2 (sigla em inglês para
Imagem de Fundo de Polarização Cósmica Extragalática) capta as
primeiras partículas de luz emitidas pelo universo

De acordo com a teoria da inflação cósmica, imediatamente após o Big Bang, o universo se expandiu violentamente – acima da velocidade da luz – e, graças a isso, conseguiu superar a imensa força gravitacional existente naquele momento. Essa movimentação tão poderosa deixou marcas, ondas gravitacionais que viajaram pelo espaço e distorceram as primeiras partículas de luz, liberadas pelo universo 380 mil anos após o Big Bang (confira quadro). Foi essa distorção na chamada radiação cósmica que os cientistas conseguiram captar. “A detecção dessas ondas é um dos objetivos mais importantes da cosmologia atual”, disse Kovac. “Ela é resultado de um enorme trabalho realizado por uma grande quantidade de cientistas.” Além de ajudar a confirmar a hipótese da inflação cósmica, a recente descoberta é embasada pela teoria da relatividade do físico alemão Albert Einstein, que em 1916 levantou a hipótese da existência dessas ondulações gravitacionais.

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PRECISOS
Supercondutores detectaram variações mínimas de temperatura na chamada
radiação cósmica e confirmaram a expansão ultrarrápida do universo em seus primórdios

Se para a maioria dos mortais a descoberta parece apenas complicada demais, para o mundo da cosmologia ela tem potencial revolucionário. “Se for confirmado, vale um Nobel”, chegou a declarar o astrônomo de Harvard Avi Loeb, que não estava envolvido na pesquisa. Apesar de cientistas ainda falarem em confirmação, é pouquíssimo provável que o estudo dos cientistas americanos seja desmentido. Os cosmologistas de quatro universidades se debruçaram sobre os dados durante três anos. Uma por uma, diversas possíveis explicações para a distorção na luz primordial do universo,  o “eco luminoso” da radiação cósmica, foram excluídas. Sobraram apenas as ondas gravitacionais da inflação. “Essas são pessoas extremamente cuidadosas e conservadoras”, afirmou à revista “Time” o teórico da universidade John Hopkins Marc Kamionowski, um dos pouquíssimos cientistas que puderam ver a pesquisa antes de ela ser publicada.

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PIONEIRO
O físico russo Andrei Linde, um dos pais da teoria  da inflação.
"Fiquei abismado", declarou ao saber das evidências recém-descobertas

O trabalho de coleta de dados para a pesquisa exigiu um esforço hercúleo dos cientistas. A radiação cósmica captada pelo radiotelescópio Bicep2 (sigla em inglês para Imagem de Fundo de Polarização Cósmica Extragalática) viaja pelo universo a uma temperatura de 270 graus negativos, apenas três graus acima do zero absoluto, a menor temperatura possível. Desde a explosão inicial, ela vem esfriando cada vez mais. É por isso que o instrumento de observação foi construído no Polo Sul, onde o ar rarefeito e seco cria as condições ideais de observação. “É o mais próximo que você consegue chegar do espaço mantendo os pés no chão”, disse o astrônomo Kovac, que esteve na região 23 vezes desde 1994. Para surpresa dos próprios cientistas, a distorção na radiação, verificada por variações mínimas na temperatura das ondas, foi mais forte do que o esperado e confirmou o “padrão de espiral” que os modelos computadorizados do Big Bang previram.

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“Este é um momento de compreensão da natureza de tal magnitude que me deixa abismado”, disse Andrei Linde, um dos pais da teoria da inflação. O físico russo estava em casa quando foi surpreendido pela notícia. Sua reação, com olhos marejados e pernas cambaleantes, foi gravada em vídeo por um dos pesquisadores e rapidamente ganhou a internet. A dúvida, agora, é quem vai ficar com o Nobel: aqueles que criaram o modelo ou aqueles que o confirmaram, mais de 30 anos depois. Talvez seja melhor dividir.

Fotos: Steffen Richter/Harvard University; NASA/JPL-Caltech