Localizado numa das regiões mais caras na vizinhança ao norte de Nova York, o Greenwich American Center, no condado de Farfield (Connecticut), é um prédio rodeado de bosques, que tem inquilinos poderosos: abriga os bancos de investimento Citi Group, Goldman Sachs e JP Morgan Chase, entre outros. Seu terceiro e último andar, contudo, destoa em termos de negócio. Lá o assunto não é dinheiro, embora o resultado da criatividade reinante já tenha ultrapassado a casa dos US$ 3 bilhões. É no pavimento inteiro que funciona o Blue Sky, estúdio de animação que emplacou a série “A Era do Gelo” e consagrou o cineasta brasileiro Carlos Saldanha, 45 anos. Na semana passada, o diretor recebeu ISTOÉ com exclusividade para mostrar a aventura que foi a realização de seu novo filme, “Rio 2”, orçado em US$ 100 milhões, com pré-estreia no Rio de Janeiro na terça-feira 18 e lançamento nos cinemas na semana seguinte. É a primeira vez que a imprensa internacional teve autorização para visitar o local. No novo enredo, as araras azuis abandonam a paisagem carioca e partem para uma viagem à Amazônia. Pretexto para Saldanha tratar da preservação de espécies ameaçadas e da devastação da floresta, com o desafio de reproduzir por computador não apenas animais falantes, mas todo um exuberante ecossistema. “Somos 500 pessoas distribuídas em vários times que trabalharam em diferentes etapas do projeto”, diz Saldanha, recém-saído de três anos inteiramente dedicados à nova história de Blu e Jade, agora acompanhados de três filhotes.

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Já na abertura, o filme mostra a complexidade da recente empreitada, com a incrível reprodução da festa de Réveillon no Rio de Janeiro. Um dos créditos deve ser atribuído ao diretor de fotografia gaúcho Renato Falcão, que abusou de tomadas aéreas e voos de câmera. “A ideia é fazer como se fosse cinema mesmo, trazer o realismo para as cenas”, diz o fotógrafo, que conheceu Saldanha quando era seu vizinho em Roboken, em New Jersey, a cidade onde nasceu Frank Sinatra. Como animação é a soma de várias especialidades, a finalização dessa sequência coube à supervisora de iluminação coreana Jeeyun Sung Chisholm, junto com Saldanha desde “Robôs” (2005).

“Foi muito desafiador porque todas as pessoas se vestem de branco e não queríamos que ficasse muito brilhante. Como é uma cena noturna, tivemos mais um desafio, pois o ambiente pode ficar muito escuro ou muito azul”, explica a artista gráfica, que passou três meses diante do computador, oito horas por dia, para obter poucos minutos de filme.

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ASAS À IMAGINAÇÃO
Blu e sua turma na Amazônia e o setor de animadores: 500 pessoas na criação

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Esse trabalho solitário de animadores com fone no ouvido, mãos no mouse e olhos nas telas é uma constante nas muitas baias do estúdio. O clima muda no setor propriamente de animação, que ocupa um quinto dos 10 mil metros quadrados do andar. Identificado com a placa Treehouse (Casa na Árvore), é um espaço todo customizado: uma área é coberta de folhas gigantes, outra simula uma cabana havaiana, mais adiante aparece um canto imitando um barco de piratas e ao longe um corredor leva até um cinema onde a tela branca é usada para jogar games. Melvin Tan, um dos animadores da equipe, explica como foram criados novos personagens, como a rã cor-de-rosa Gabi e o tamanduá Charlie, vilões da história, ao lado da cacatua que adora recitar Shakespeare.

“A gente parte de poses diferentes e faz as transições de uma para outras no computador da forma mais fluida possível. Antes, essas posições são desenhadas e mostradas para a aprovação de Carlos”, diz ele.

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CARTÃO-POSTAL COM FAVELA
Carlos Saldanha gastou três anos para terminar "Rio 2" antes da Copa.
"Quis usar o que faço fora e mostrar o Brasil para o mundo", diz ele

Animações digitais terminam por ser muito caras justamente por envolver esse “desenvolvimento em camadas”. Terminada a etapa da criação de movimentos, entra-se na fase da colorização, da textura e do detalhamento de superfícies como pelos e plumagens – para se ter uma ideia, existe um departamento que cuida só de penas, como explica o diretor de arte Tom Cardone, que comanda uma equipe de 20 artistas. “A penugem no rosto das aves deve ser muito fina quando vista de perto e, na região do ouvido, mais rígida. Depois, avança para o peito, divide-se e fica mais suave na barriga. Você tem que fazer isso em todos os animais”, explica Cardone, que se encantou com a variedade de bichos brasileiros, como capivaras, panteras e micos, apresentados por Saldanha à equipe depois de uma viagem à Amazônia.

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Dessa vez, o grande trunfo do estúdio é o fino acabamento da personagem da rã Gabi, cuja coloração translúcida é inédita em desenhos animados. O segredo por trás desse visual – e dos fantásticos panoramas dos rios, florestas e corredeiras – é um software exclusivo do Blue Sky chamado CGI Studio. Ele foi desenvolvido pelos sócios – e cientistas – Carl Ludwig (engenheiro-eletricista que participou da missão Apollo) e Eugene Troubetzkoy (físico nuclear especializado em simulação de partículas), que, junto com Chris Wedge e mais três artistas, criaram o estúdio em 1986. Saldanha explica em linhas gerais o potente programa responsável pela magia de seus filmes. “Trata-se de um software de renderização (criação de imagem digital) que permite simular a ação da luz e sua irradiação nos objetos.

Por isso, o visual dos nossos desenhos atinge maior dimensão da luz e permite estilizar mais a imagem, jogando com a sensação de verdade e mentira”, diz o cineasta, já envolvido em outro projeto. Após o lançamento de “Rio 2”, ele vai se enfurnar com sua equipe na criação de “A História de Ferdinand”, sobre um touro dócil e brincalhão. Serão mais três anos lidando apenas com mouses, pixels e muita fantasia.

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Fotos: Blue Sky Studios