Na terça-feira 11, os japoneses realizaram uma série de eventos para lembrar os três anos da tragédia do tsunami que devastou o leste do país e deixou um saldo de 18,5 mil mortos, 16 mil desaparecidos e 315 mil desabrigados. Apesar do esforço extraordinário da população e das autoridades – praticamente todas as residências, estradas e edifícios públicos destruídos pela tragédia já foram recuperados –, um pesadelo continua a assombrar o Japão: a usina nuclear Fukushima Daiichi. Devastada pelo terremoto, a usina sofreu avarias que fizeram com que material radioativo vazasse. Três anos e bilhões de dólares depois, Fukushima continua provocando estragos. Resíduos nucleares ainda infectam o solo e o Oceano Pacífico. Mais grave ainda: muitos dos trabalhadores aliciados para fazer os reparos na usina estão expostos a níveis inapropriados de contaminação. Segundo especialistas, é quase certo que vão desenvolver algum tipo de câncer. Trabalhar em Fukushima, portanto, pode significar uma sentença de morte. Mas o roteiro de tragédias parece não ter fim. Investigações recentes descobriram um esquema tão eficiente quanto chocante. Na falta de candidatos, a Yakuza, a temível máfia japonesa, está recrutando pessoas para arriscar a vida na usina nuclear.

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RISCOS
Funcionários na usina: a maioria deles terá algum tipo de câncer

A centenáriaYakuza ficou conhecida pela violência com que defende seus negócios (uma das marcas registradas é arrancar os dedos de rivais, quando não matá-los) e pelas enormes tatuagens de seus seguidores. Segundo as denúncias, a organização criminosa criou companhias que se fazem passar por empresas normais e, na falta de mão de obra disponível, contrata moradores de rua, pessoas endividadas e desempregados sem recursos para fazer o trabalho de descontaminação. “Hoje cresceu o número de pessoas que realmente passam necessidade no país”, diz Alexandre Uehara, especialista em Japão. As companhias criadas pela máfia, por sua vez, prestam serviço para grandes construtoras que possuem contratos com o Ministério do Meio Ambiente, em uma enorme rede de subcontratações. Estima-se que 3 mil homens trabalhem na usina, mas é impossível precisar quantos foram cooptados pela Yakuza. “As pessoas mais vulneráveis são contratadas e exploradas pelas empresas”, disse à ISTOÉ Kazuko Ito, secretária-geral da Human Rights Now, organização internacional de direitos humanos com sede em Tóquio. “As medidas de proteção são muito fracas e não há qualquer monitoramento da saúde dos trabalhadores.”

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MAFIOSOS
Integrantes da organização criminosa Yakuza: eles recrutam moradores
de rua, pessoas endividadas e desempregados sem recursos

Fornecer mão de obra para Fukushima é um negócio rentável. Recentemente, a polícia desbaratou uma quadrilha que aliciava moradores de rua em uma estação de trem em Sendai. Descobriu-se que cada recrutador ganhava US$ 100 por trabalhador contratado. Segundo a polícia, o líder Mitsunori Nishimura recebia US$ 10 mil mensais para manter funcionários nas áreas contaminadas. Enquanto isso, os trabalhadores, que acreditavam ter recebido uma boa proposta de trabalho, ganhavam apenas US$ 6 por hora. “O número de terceirizações e subcontratações no país é muito alto”, diz Paulo Yokota, economista brasileiro especializado em Ásia. “Por isso fica mais difícil controlar os processos e há um aumento do risco de fraudes.” A quantidade de empresas não foi divulgada oficialmente, mas um levantamento recente realizado pela Reuters localizou 733 companhias trabalhando para o Ministério do Meio Ambiente. A regulamentação que autoriza tantas contratações vem de uma lei de 2011, criada em caráter de emergência e que permite que as empresas ganhem contratos sem certificação básica, ao contrário do que é exigido em obras públicas. O governo japonês destinou US$ 50 bilhões para a desativação completa da usina, o que só será feito quando ela parar de despejar resíduos radioativos na natureza. Estima-se que o processo possa durar 40 anos. Enquanto isso, milhares de trabalhadores continuarão colocando suas vidas em risco e muitos deles por pressão de grupos criminosos como a Yakuza.

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CONTINGENTE
Estima-se que três mil homens trabalhem em Fukushima

Fotos: Greg Webb/AP; Issei KATO/AFP; Jeremy Sutton-Hibbert/Getty Images