Dois bilhões de passageiros cruzam os céus do planeta por ano, conforme dados da Agência de Administração de Aviação Americana. Aproximadamente 25% deles sofrerão algum mal-estar a bordo. As queixas vão desde uma simples dor de cabeça por falta de sono a condições que colocam a vida em risco, como a trombose venosa profunda (TVP) e sua mais temível consequência, a embolia pulmonar. O problema é originado pelo surgimento de coágulos de sangue nas veias das pernas. Eles podem bloquear o fluxo desses vasos ou se soltar e viajar pela corrente sanguínea até se fixarem no pulmão, causando a embolia pulmonar.

EMBOLIA-01-IE.jpg
SUSTO
Mirella sofreu embolia dias após desembarcar de um voo vindo
da Itália. Foi medicada e hoje espera seu primeiro filho

De acordo com o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), uma referência mundial na área da saúde, 100 mil americanos morrem anualmente por trombose ou embolia. Alarmante, o dado levou a organização a lançar uma campanha para evitar o problema. Em seu site, pacientes contam casos e especialistas como a médica Lisa Richardson, diretora da divisão de distúrbios sanguíneos, explicam os fatores de risco – entre eles, viagens longas, acima de quatro horas. Elas comprovadamente aumentam os riscos de tromboembolismo por causa da pouca movimentação de pernas e pés registrada nesses trajetos.

EMBOLIA-02-IE.jpg
TEMPO
Peclat, da Sociedade de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro,
diz que o problema pode ocorrer semanas após o voo

Lisa informa, por exemplo, que viajar em classe executiva ou econômica não diminui nem aumenta o risco de trombose. “O problema é permanecer imóvel por muito tempo”, diz. O alerta vale para quem viaja de avião, de carro ou de trem. “A questão primordial é que a pessoa precisa se mover. Se não der para andar, pelo menos faça flexões com os pés, movimente-os em círculos e exercite as panturrilhas”, aconselha o cirurgião vascular Luiz Caetano Malavolta, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

O médico Julio Peclat, presidente da Sociedade de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro, alerta que diversos pacientes apresentam trombose venosa profunda vários dias depois do voo. “Pode ocorrer até duas semanas após o desembarque. As longas distâncias aéreas funcionam como mais um fator de risco para quem já tem lesões nos vasos ou tendência genética à formação de coágulos”, diz o especialista.

01.jpg

02.jpg

Foi o que aconteceu com a carioca Mirella Guida, 33 anos, que teve uma embolia pulmonar. O problema ocorreu cerca de uma semana após sua chegada ao Rio de Janeiro, em 2010. “Tinha 29 anos, vivia na Itália e peguei um voo para visitar minha família no Brasil”, conta. Nos dias seguintes ao desembarque, ela sentiu dores fortes e difusas no peito. “A dor mudava de lugar, mas minha pressão estava normal, não tenho varizes nem sou obesa. Não tinha ideia do que era e fui ao médico.”

A primeira especialista consultada não soube interpretar o resultado de seu exame de tomografia computadorizada e acreditou tratar-se de uma pneumonia. “Meu irmão, que é cardiologista, achou estranho ter pneumonia sem febre. Pediu para repetir o exame e me encaminhou para outro especialista, que descobriu a embolia pulmonar. Podia ter morrido.” A carioca tomou remédios anticoagulantes por dois meses. Agora, sempre que faz uma viagem aérea, movimenta-se com frequência. “Faço isso independentemente da distância.” Mirella mora hoje no Brasil e está às vésperas do parto de seu primeiro filho.

EMBOLIA-03-IE.jpg
RECOMENDAÇÃO
Magalhães orienta viajante com doença crônica a procurar o
médico antes do embarque para evitar problemas

A TVP e a embolia estão entre os eventos médicos mais sérios a bordo. De acordo com um levantamento realizado pelo cardiologista Sérgio Timerman, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, com dados de cinco das maiores companhias aéreas internacionais (Air France, British Airways, KLM, Lufthansa Airlines e Swiss), a maioria das reclamações refere-se a problemas gastrointestinais (cerca de 28% dos casos). Em seguida vêm os males cardíacos e neurológicos (em torno de 10% cada). Manifestações como desmaios e tonturas, problemas respiratórios, infecciosos e psiquiátricos representam, isoladamente, 5% dos casos. A pesquisa considerou 3.386 incidentes médicos reportados em um universo de 100 milhões de passageiros.

No ano 2000, por exemplo, a Agência de Administração de Aviação Americana registrou uma média de 15 emergências por dia. Nos casos mais graves, houve desvio de rota para providenciar atendimento hospitalar. “Um dos dados mais impressionantes desse estudo é que, apesar de haver médicos a bordo em 85% dos voos registrados, menos de 1% sabia realizar os procedimentos de ressuscitação cardiopulmonar”, explica Timerman, que também está à frente do Conselho 3CPR, da Associação Americana do Coração. É uma subdivisão que define as diretrizes para o melhor atendimento de problemas cardiopulmonares, cuidados críticos e ressuscitação.

03.jpg

Para o médico, esses dados indicam a necessidade de preparar os médicos para atender emergências a bordo. No caso da embolia pulmonar, a situação é mais difícil de diagnosticar quando a viagem ainda está em pleno curso. Mas, se for forte a suspeita de que se trata de uma obstrução no pulmão causada por um coágulo, o avião deve ser dirigido ao aeroporto mais próximo para que o passageiro seja socorrido. Contudo, o atendimento a parada cardiopulmonar a bordo pode ser melhorado se as aeronaves dispuserem, por exemplo, de desfibriladores (restabelecem o ritmo cardíaco). “Um estudo feito pela American Airlines evidenciou que a taxa de sobrevida dentro de suas aeronaves, nesses casos, saiu do zero, antes de serem instalados os desfibriladores, para 53%”, diz Timerman.

Na verdade, é crescente a preocupação das companhias aéreas com essas questões. E, ainda que nem todas já estejam implementando os equipamentos e processos mais atuais, há um movimento nesse sentido. A Gol, por exemplo, informa que os seus comissários de bordo são treinados para iniciar as manobras de ressuscitação em passageiros nas aeronaves equipadas com o desfibrilador.

EMBOLIA-04-IE-2310.jpg
PREPARO
Timerman, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, defende que
todas as aeronaves sejam equipadas com desfibriladores

Já a TAM iniciou a compra do aparelho para disponibilizá-lo em suas aeronaves. É também uma das 120 clientes da MedAire, companhia especializada em dar assistência remota para avaliar pacientes em risco. A empresa mantém uma espécie de quartel-general 24 horas, com médicos emergencistas preparados para dar suporte aos eventos nas aeronaves por rádio ou telefone. “No ano passado, atendemos cerca de 29 mil eventos médicos em voos, dos quais 371 em voos de longa duração que pousaram ou decolaram do Brasil. Salvamos muitas vidas, mas duas pessoas morreram”, diz Paulo Magalhães, diretor médico da MedAire e presidente da Associação de Diretores Médicos de Empresas Aéreas.

Magalhães diz que é necessário melhorar a troca de informações entre os médicos, as empresas e os passageiros. “Muitos eventos em viagens aéreas acontecem com pessoas que convivem com doenças crônicas que não estão bem controladas”, diz. Há também casos de indivíduos doentes que decidem se consultar em outras cidades. Porém, o melhor lugar para quem não se sente bem não é o avião. Um dos motivos que tornam esse ambiente menos favorável é a diferença de pressão atmosférica. Nos aviões mais modernos, ela é até mais bem controlada, mas de qualquer forma o ar é mais rarefeito e isso representa menor oxigenação. “Pessoas sadias não são afetadas, mas quem tem problemas cardíacos pode eventualmente sentir alguma mudança. Por isso é importante ser orientado corretamente pelo médico antes de viajar”, diz Magalhães. O especialista aconselha a indivíduos submetidos recentemente a grandes cirurgias de pulmão, cérebro, coração ou ortopédicas que comuniquem as companhias até 72 horas antes de embarcar.

04.jpg

Fotos: Eduardo Zappia; Bruno Poppe, THIAGO BERNARDES/FRAME; Kelsen Fernandes