Passava das 19h30 do sábado 22 quando cerca 30 black blocs dispararam pelas ruas do centro da capital paulista. Como fizeram em outras ocasiões, eles quebraram agências bancárias (foram duas desta vez) e equipamentos públicos que encontravam pela frente. Enquanto isso, os 2,3 mil policiais designados para acompanhar mais um dos protestos contra a Copa do Mundo se dirigiram a outro grupo de manifestantes. Os PMs cercaram uma turma formada em sua maioria por professores, estudantes, jornalistas e representantes de movimentos sociais – todos eles pouco afeitos a táticas agressivas como a dos black blocs. Apesar de não representarem, a princípio, qualquer tipo de ameaça para a sociedade, os manifestantes tiveram que enfrentar a fúria dos policiais. Segundo a contagem oficial, 262 pessoas foram presas. A ação absurda da PM se revelou mais despropositada ainda diante da liberdade oferecida aos black blocs. Talvez no mesmo instante em que um professor foi esganado por um policial, algum black bloc jogou uma pedra contra um banco. “Em um só dia, a PM atacou o direito de as pessoas se reunirem, a liberdade de expressão e a integridade física de quem protestou”, diz Brenno Tardelli, representante do Coletivo Advogados Ativistas, uma entidade que defende os manifestantes gratuitamente.

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DESINTELIGÊNCIA
A polícia do governador Alckmin em ação na semana passada: violência sem sentido

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A ação foi a primeira planejada e executada pela “Tropa do Braço”, agrupamento especial criado pela PM de São Paulo para atuar nas manifestações populares. A tropa consiste em policiais treinados em artes marciais e que vão as ruas sem o uso de armas de fogo. Entre os guardas que atacaram um professor de meia-idade podia estar um lutador de krav maga, arte marcial do serviço secreto israelense, ou um outro especializado em jiu-jítsu, amplamente utilizado nos combates do UFC. Nenhum policial, porém, foi visto impedindo um black bloc de vandalizar a cidade. Para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a ação foi positiva. “Tivemos menos confronto, menos depredação”, disse. “A polícia agiu com um trabalho sério e elaborado.”

Além da Tropa do Braço, outra iniciativa controversa adotada pela PM de Alckmin foi a “Caldeira de Hamburgo”, embora nenhum policial e ninguém do governo paulista se referisse à estratégia dessa maneira. A tática ficou conhecida na Alemanha, em 1986. Para conter 800 manifestantes em Hamburgo, os policiais alemães os cercaram por 13 horas, não permitindo às pessoas se alimentar, beber água ou ir ao banheiro. Por caracterizar tortura, a prática foi proibida na Alemanha – mas ressuscitou, em menor medida, agora em São Paulo. Com a presença de apenas 1,5 mil pessoas (havia, portanto, mais policiais que manifestantes), o protesto teria passado despercebido, não fosse a atuação desastrada da polícia, que acabou repudiada por diversas entidades, inclusive pela Ordem dos Advogados do Brasil.

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Nos próximos dias, a presidenta Dilma Rousseff definirá o programa de segurança na Copa. Ganha força em Brasília a possibilidade de a iniciativa paulista de combate ao vandalismo ser adotada por outros Estados, conforme declarações do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Entre os pontos que serão analisados pela presidenta estão o endurecimento policial durante os protestos, a proibição de uso de máscaras nas manifestações e a adoção de penas mais duras para os vândalos. Qualquer preocupação que visa conter as ações violentas é, claro, bem-vinda. O que não está certo é afrontar a liberdade de expressão, como fez a polícia paulista na semana passada.  

Fotos: Yan Boechat; ROBERTO VAZQUEZ/FUTURA PRESS