28/02/2014 - 14:00
SOCIEDADE ALTERNATIVA
Em seu mais recente programa, "Utopia", 15 pessoas vivem
juntas por um ano e criam um novo tipo de comunidade
Idealizador dos reality shows “Big Brother” e “The Voice”, o holandês John De Mol, 58 anos, constata que construiu um império na área de televisão quando olha para o mapa fixado em uma das paredes no seu escritório. De todos os países que enxerga, em pelo menos 150 há uma emissora exibindo algum de seus inúmeros programas. Sua mais nova criação, “Utopia”, estreou no começo de janeiro na Holanda, já foi comprado pela Fox americana e deverá ser comercializado para pelo menos outros cinco países.
"Na Holanda, é tudo muito liberal. Mostram sexo e ninguém
se anima muito com isso. No Brasil, é diferente"
Em “Utopia”, a experiência do reality show é levada ao extremo: durante um ano, 15 pessoas precisam estipular suas próprias regras para criar uma nova sociedade, pois, na visão de De Mol, a que vivemos não está dando certo. Uma ideia louca, mas, como ele mesmo diz, nenhuma ideia é louca ou absurda demais que não possa ser testada na tevê. Atualmente à frente da Talpa – da Endemol, sua antiga empresa, hoje tem apenas 11% de participação –, ele acumula uma fortuna de 2,2 bilhões de euros.
"Achei que era hora de fazer uma competição com pessoas talentosas.
No ‘The Voice’, o público quer ver artistas com talento"
Como surgiu a ideia do reality “Utopia”?
Há entre 25 e 30 pessoas na minha equipe criativa. Todas às segundas-feiras à noite, temos um jantar com pizza, vinho, todo mundo vem com novas ideias, curtas. E lemos relatórios de todo o mundo mostrando quais são as últimas tendências. O que percebemos entre essas tendências é que as pessoas estão infelizes, com medo do futuro, preocupadas com sua situação financeira. Aí surgiu uma ideia: o que aconteceria se você desse a 15 pessoas a chance de criar uma sociedade completamente nova, sem normas, sem leis, sem regulação, sendo que as pessoas deveriam criar tudo? Seria melhor do que o mundo no qual vivemos hoje? Foi quando criamos “Utopia”. Levou entre sete e oito meses para ir ao ar. Foi rápido. O primeiro “Big Brother”, que estreou em 1999, levou quase dois anos.
Você realmente acha que estamos infelizes?
Sim, no mundo todo. As pessoas estão inseguras, cansadas de todas as regras que precisam seguir.
Além dos EUA, que vão exibir o programa pela Fox, que outros países estão interessados na atração?
Estamos fechando negócio na Alemanha, na França, Austrália, China, Espanha. Está indo muito rápido. A velocidade com que o mundo está comprando formatos aumentou muito. “Utopia” foi vendida para a Fox um mês depois de estrear na Holanda.
Deve ser difícil pensar em formatos que possam agradar a públicos de culturas tão diferentes.
Nesse ponto, viver na Holanda ajuda. É um país pequeno, mas podemos testar novas ideias, pois aqui há uma forte cultura internacional. Quando o programa é um sucesso aqui, na maioria das vezes dá certo também em outros lugares.
O “Big Brother” foi uma revolução na tevê. Como surgiu a ideia?
Há muito tempo, havia um projeto nos Estados Unidos chamado “Biosphere 2”. Eles colocariam pessoas num local onde tivessem que plantar sua comida e sobreviver lá por dois ou três meses. Li sobre isso, achei intrigante e comecei a discutir o assunto com a minha equipe. Tentamos tornar isso um formato de tevê. E uma das melhores ideias foi a de que as pessoas na casa não teriam contato com o mundo exterior. Eles não saberiam o que aconteceria fora. Foi muito novo. Pela primeira vez, 100 câmeras estavam gravando simultaneamente. Chamamos engenheiros do Japão para tornar isso possível. Mas eu não conseguia vender para nenhuma emissora, porque todos pensavam que era muito perigoso. E depois de um ano e seis meses, finalmente encontrei uma emissora na Holanda que topou exibir se nós assumíssemos a responsabilidade por todos os riscos. Então pagamos pelo programa. A emissora exibiu de graça e nós dividíamos o lucro da propaganda.
Mesmo depois de mais de uma década, o “Big Brother” é exibido em vários países, inclusive no Brasil. Por que o público ainda está interessado na vida alheia?
Acho que é porque os reality shows são o espelho da sociedade. Mostram pessoas que vivem ao seu lado, que você reconhece, estão na rua. Algumas pessoas se gostam, outras não, umas se apaixonam, outras brigam. Sempre traz a pergunta: como você reagiria a essa situação?
Por que há tantas pessoas loucas para participar de um reality show?
A maioria das pessoas tem o objetivo errado ao querer entrar para um reality show, que é se tornar famoso em poucas semanas e ganhar dinheiro fácil depois. A razão para entrar no “Big Brother” é, primeiro, ter uma grande experiência, aprender sobre você mesmo, se conhecer melhor. Acho que hoje há pessoas mais reais que no começo.
O programa recebe muitas críticas. Alguns dizem que perdeu a graça, outros que fez cair a qualidade da tevê. Como rebate esses comentários?
Tenho duas respostas: primeiro, há um controle remoto. Se você vê algo que não gosta, apenas troque de canal. Minha segunda resposta é que há uma questão de diferença de gerações. Quando começamos o “Big Brother”, havia muitas críticas de pessoas que não sabiam nem do que o programa se tratava. É o mesmo que aconteceu com Elvis Presley, Rolling Stones, Beatles. Eles eram muito populares com os mais novos, e os mais velhos achavam que eram coisa do diabo. Sempre vai haver pessoas mais velhas que não vão gostar do que os mais novos gostam. Acho que o “Big Brother” trouxe os mais jovens de volta para tevê.
Acha que os ganhadores de reality shows têm características em comum?
O que posso dizer é que, se você ganhou, tem alguma qualidade. Mas não acho que essa qualidade dá garantia à pessoa de que ela terá uma grande carreira. São coisas diferentes.
Como vê as diferenças entre os países em relação ao que vai ao ar?
É engraçado. Na Holanda, por exemplo, é tudo muito liberal. Mostram sexo e ninguém se anima muito com isso. No Brasil, é diferente. Mas acho que isso, de novo, é mais uma questão de diferença de gerações. Os mais novos não se assustam tanto.
O “The Voice” é hoje o programa mais exportado pela Talpa, está em 55 países. Qual o segredo do sucesso?
Desde o começo dos anos 2000 programas musicais se tornaram muito populares, como “Idols” e “X-Factor”. Faziam sucesso porque contavam com pessoas que achavam que eram bons cantores, mas não eram. O júri é que dizia: “Você não é bom, não pense que vai ganhar dinheiro com isso, vá fazer outra coisa”. É um tipo de programa que as pessoas gostaram por muito tempo. Achei que era hora de fazer uma competição com pessoas talentosas. Nos outros programas, a maioria dos vencedores não teve carreira porque não era artista de verdade. Já no “The Voice”, para participar, é preciso ser um bom cantor. O público quer ver artistas com talento e não que finjam ter talento.
Como busca inspiração para seus programas?
Estou na televisão há 30 anos. Meu desejo é continuar criando. Todo dia, dirigindo, olhando pela janela, tomando banho, estou sempre pensando em televisão. As ideias vêm em momentos até meio loucos. Também quando ouço pessoas falando de suas vidas penso se há algo que possa virar um programa de tevê. Qualquer informação que tenho me faz pensar se posso transformar em um programa.
Você vê televisão? Assiste a seus programas?
Tento assistir aos primeiros dois episódios dos programas em outros países. Temos uma sala na empresa, que é o arquivo, onde todas as nossas atrações, em todo o mundo, estão armazenadas. Se eu quiser, vou lá. Mas é impossível acompanhar. “The Voice” está em 55 países, “Big Brother”, em 35.
Mas liga a tevê quando chega em casa?
Minhas horas de trabalho são diferentes das de pessoas normais. Não chego em casa antes das 23h. Assisto um pouco de tevê à noite, mas geralmente noticiários.
Você está na tevê há 30 anos. Como começou?
Comecei muito novo como assistente de produção em uma emissora holandesa. Depois de cinco anos, com 24, comecei minha própria empresa que foi a base para a Endemol.
Sempre foi seu sonho?
Não. Mais novo queria me tornar um jogador de futebol profissional. Mas tive um sério problema no joelho que tornou meu sonho impossível. Depois fui DJ de uma rádio por alguns anos. E achei que queria fazer aquilo para sempre. Mas fui chamado para trabalhar na emissora. Nos primeiros meses, não gostei. O primeiro programa que produzi foi o “Miss Holanda”, foi muito legal. Foi quando percebi que trabalhar na tevê não era má ideia.
Acha que pode surgir logo outro programa, como os reality shows, que revolucione a tevê mais uma vez?
No Brasil, a tevê vem perdendo audiência. Isso ocorre em outros países?
Na Europa, as pessoas não estão perdendo interesse. O número de horas que as pessoas passam vendo tevê está aumentando, é de três horas e 20 minutos por dia. É como um estádio: se há bons jogadores, há púbico. Precisamos fazer bons programas.
Acredita que a internet pode tomar o lugar da tevê?
Não. Acho que será um extra. Por exemplo, quando você está em casa assistindo a um programa como o “The Voice”, sabe que ao mesmo tempo há milhares de pessoas vendo a mesma coisa. E você pode comentar sobre o programa com seus colegas. Seriados, por exemplo, faz mais sentido ver na internet. Mas os reality shows todo mundo que ver naquela noite, porque se você não assistir não pode falar sobre ele. A graça é todo mundo ver o programa ao mesmo tempo.
Você ainda joga futebol?
Não, agora só golfe. Mas planejo assistir à Copa do Mundo deste ano para ver a Holanda jogar. Meu filho, que também é produtor, vai ao Brasil fazer um documentário sobre os estádios, lugares ligados à Copa.