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Em meio aos absurdos e fragmentos da cidade, Srur constrói o seu caminho

Eduardo Srur tem uma urgência: ser visto e ouvido. Talvez não ele pessoalmente, mas suas ideias e seu desconforto com o que vê.  O resultado são intervenções/manifestos artísticos nascidos da observação e do incômodo que brotam da sua relação com a cidade de São Paulo, o espaço público onde nasceu e que divide com outros quase 11 milhões de pessoas.

Uma cidade que pode servir como exemplo de uma ocupação equivocada e pouco planejada e que  acumula uma sucessão de erros urbanísticos impressionante, cujas consequências pulam por toda parte, como na hoje tão evidente dificuldade de locomoção, de carro, trem, metrô, ônibus, bicicleta e até mesmo a pé. Um aglomerado onde não se vê o horizonte, obstruído pelas torres dos edifícios. Onde o ar foi trocado por uma combinação de partículas de lixo, metais e outros compostos irrespiráveis e cada vez mais tóxicos e que assiste ao rio que a atravessa e em torno do qual surgiu, em vez de uma área de encontros e lazer ou mesmo um espaço para navegação e transporte, se transformar num depósito de dejetos estático, morto e fedorento.

A sensibilidade de Srur é especialmente provocada pelo choque entre o lugar que habita e aquilo que vê quando se afasta dele. É na natureza que visita com certa frequência para surfar e  lembrar de onde exatamente viemos que o artista/ativista/empreendedor encontra energia para criar.

Depois de se formar em artes plásticas na Faap e começar a se expressar pintando, logo migrou para outro tipo de suporte: a intervenção urbana. O espaço de uma galeria não resolveria as questões que ele queria escancarar e discutir com a cidade inteira e, literalmente, com todo o mundo.  A motivação principal era a  ideia de devolver à vida os lugares, sentimentos e recursos que uma espécie de reprodução celular descontrolada se encarregou de necrosar na cidade. Eduardo queria seu trabalho visto por cidadãos comuns e também pelo poder público, chamar a atenção geral não só para os absurdos ambientais e estéticos que nos cercam, mas para um modelo de vida que se assemelha ao do viciado em drogas. Quando algo absolutamente desconectado do razoável, do real e  do saudável parece normal e sob controle aos olhos de quem está, sob o jugo da dependência química, privado do poder de discernir.

Tudo começou em 2002, quando Srur  instalou dezenas  de barracas de acampamento devidamente armadas e iluminadas por toda a extensão vertical de um prédio abandonado por dez anos na avenida Dr. Arnaldo onde deveria funcionar um hospital.  Depois dessa vieram muitas outras, como as dúzias de caiaques que pôs para singrar as “águas” do rio Pinheiros carregando bonecos em escala humana vestidos com bonés e coletes coloridos, com remos nas mãos, que atolavam em grupos nas ilhas formadas pelo lixo acumulado no rio. Em seguida, fixou outras pencas de objetos, agora  garrafas pet gigantes ao longo de toda a extensão das margens do rio Tietê.

Em uma de suas intervenções, comprou briga com os organizadores da Cow Parade, considerado o maior evento de arte pública do mundo,  quando concebeu e instalou um touro , “O Touro Bandido”, “cobrindo” duas das vacas expostas: “Para mim, a vaca ficou estéril como objeto de reflexão, e o touro fazia uma inseminação artística nela. Por tratar-se de uma ação não autorizada, tive de responder a um inquérito policial por ato obsceno, difamação e danos materiais, instaurado pelos organizadores do evento. Em minha defesa, reiterei que a arte não pode ser domesticável”, explica ele no site que mantém e onde se pode conhecer toda a extensão de seu trabalho (www.eduardosrur.com.br)

Sua produção é grande, tanto em número de obras quanto em escala. A evidente vocação para empreender tem sido um componente fundamental. Mas, para realizar suas obras, ideias e habilidades plásticas, não basta. É quase tão importante ter ao alcance das mãos uma estrutura executiva para pedir autorizações, manobrar politicamente  e buscar patrocínios. Assim surgiu a Attack, que, além
de ser a produtora de suas intervenções artísticas, presta serviços para empresas que queiram promover ações de divulgação em diálogo direto com a cidade.

No dia 25 de janeiro, Srur recebeu o Prêmio Cidadão Sustentável/categoria Intervenção Urbana. O projeto premia quem é referência em ações e soluções efetivas e inspiradoras para uma cidade que precisa de ajuda.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente