Na terça-feira 4, as consequências de um sistema energético que há tempos vem operando de forma ineficaz puderam ser sentidas diretamente por um grande número de brasileiros: mais de 6 milhões de pessoas de 11 Estados, das regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste ficaram sem luz durante pelo menos 30 minutos. Em São Paulo, o problema gerou confusão no metrô e, mais grave ainda, no Rio o atendimento em hospitais foi afetado pela falta de energia.

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REPAROS
Operários trabalham em linhas de transmissão: os últimos governos
não deram a devida atenção às deficiências energéticas do País

Provocada por dois curto-circuitos na rede transmissora entre os municípios de Miracema (TO) e Colinas (TO), a pane interrompeu o fornecimento do equivalente a 7% do consumo nacional. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o País sofreu pelo menos 15 apagões de grandes proporções – e não há nada que indique que os blecautes ficarão para trás.

O caos energético brasileiro é resultado de uma bomba-relógio que explode de tempos em tempos: o aumento do consumo dos últimos anos, motivado pelo avanço da economia, não foi acompanhado por investimentos em infraestrutura. O resultado desse desequilíbrio são os apagões. O governo anunciou um prazo de 15 dias para detalhar as causas do curto-circuito, mas, a despeito das razões que forem apresentadas, os problemas estão aí, visíveis apesar da escuridão que afeta o setor.

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CURTO-CIRCUITO
Um dia antes do blecaute, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão,
disse que o risco de desabastecimento de energia no Brasil era igual a "zero"

A demanda por energia está muito maior. Dados divulgados na quarta-feira 5 pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) revelaram que, em janeiro, o consumo de energia elétrica foi 11,8% mais alto do que no ano anterior e 7,2% superior ao índice observado em dezembro de 2013. De acordo com o órgão regulador, a alta da carga se deve “principalmente ao uso intensivo de aparelhos de refrigeração nos Subsistemas Sul e Sudeste/CentroOeste e à aceleração do ritmo de atividade industrial.” A utilização de ventiladores e ar-condicionados se deve ao calor excessivo, mas também à capacidade financeira dos consumidores de comprar esses aparelhos. Trata-se, portanto, de um fato positivo do ponto de vista econômico, assim com o avanço industrial. A questão é que o Brasil não está preparado para suportar tais transformações.

Especialistas são unânimes em afirmar que o Brasil errou em concentrar demais sua produção em usinas hidrelétricas. Atualmente, elas respondem por 70% do volume consumido no País, uma enormidade que gera dependência excessiva de um modelo suscetível a diversos fatores. Entre eles, as oscilações climáticas. O Sudeste brasileiro vem enfrentando uma estiagem sem precedente para o verão. De acordo com estimativas da Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, os reservatórios no Sudeste enfrentam a pior situação desde 1953. Nesse cenário, as usinas termelétricas têm sido acionadas para suprir a demanda. O problema é que também não há termelétricas suficientes – e eis aí um retrato preciso da falta de planejamento do governo. Das 35 termelétricas em construção no Brasil, 22 estão atrasadas. “A baixa das águas dos reservatórios não é motivo para escassez de energia, pois ela é previsível”, diz Ildo Sauer, engenheiro e professor do IEE-USP. “O que falta é manejo adequado de recursos.” As hidrelétricas também descumpriram prazos. Até a Usina de Belo Monte, principal projeto energético do Brasil, orçado em R$ 16 bilhões e com previsão de início de operações em 2015, enfrentou atrasos nas obras.

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ATRASO
Orçada em R$ 16 bilhões, a Usina de Belo Monte não cumpriu o cronograma de obras

Usar termelétricas para substituir hidrelétricas também é uma saída questionável. As termelétricas funcionam com a queima de carvão e óleo combustível e por isso são altamente poluentes. Além disso, produzem energia a um custo excessivamente alto. “A necessidade das térmicas é o maior sintoma da falta de usinas disponíveis para atender ao mercado a um custo razoável”, diz Roberto Pereira d’Araújo, diretor do Ilumina, organização não governamental especializada em energia. Como resultado desse processo, as empresas geradoras de energia se veem em um beco sem saída. Por um lado, têm a necessidade de utilizar a energia das térmicas. Por outro, não dispõem de recursos financeiros para sustentar o custo das operações, já que, na renovação das concessões, o governo estabeleceu um teto para a tarifa cobrada dos consumidores. Ao faturarem menos, as companhias fizeram ajustes e reduziram seus custos. De acordo com Luis Pinghelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ e presidente da Eletrobrás na gestão do ex-presidente Lula, o enxugamento da receita do setor está afetando a eficiência das empresas. “A Eletrobras sofreu um corte muito grande”, diz. “São milhares de demissões e muitos engenheiros saindo. É uma perda de competência.”

Segundo Joísa Dutra, especialista em energia, que dirigiu a Aneel de 2005 a 2009, a redução do preço das tarifas foi mal planejada. Além de estimular o consumo desenfreado, tem potencial para tornar o setor insustentável. Ela também acha que nada será feito em 2014. “Quando o governo está às vésperas de uma eleição, não quer tomar medidas impopulares”, diz. “E aumentar o preço da energia é impopular.” Para a presidenta Dilma Rousseff, o problema é especialmente sensível. Como ex-ministra de Minas e Energia, Dilma teoricamente é uma expert no assunto – e falhar nessa área pode roubar alguns votos. O governo, porém, não parece disposto a assumir a dimensão do problema. Um dia antes do blecaute, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que o risco de desabastecimento de eletricidade no Brasil era “zero”, mas bastou um novo apagão para o temor do racionamento vir à tona. A situação é mais alarmante diante da proximidade da Copa do Mundo, evento que tem vocação para disparar o consumo energético. Resta torcer para que a chuva volte com força e que novos curto-circuitos não atrapalhem a vida de milhões de brasileiros.

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Fotos: Mario Angelo/Sigmapress/Folhapress, Lalo de Almeida/Folhapress; Adriano Machado/AG. ISTOÉ