Não é fácil defender as instituições num país que vaia até minuto de silêncio. Em meio a tantos cenários pessimistas, violência black bloc
e ceticismo, há quem se distraia imaginando que, quando o PSDB, o PT e o PMDB tiverem passado, tal como a UDN, o PTB e o PSD, o pombo afogado de dom Pedro II virá assombrar a síndrome da bandalha nacional.

Dois dias depois da Proclamação da República – o golpe que o povo “bestializado” tomou por uma parada militar no Rio de Janeiro –, dom Pedro II e comitiva partiram para o exílio na França sem esboçar reação, embora seus partidários insistissem que reagisse.

O imperador mantinha-se “abúlico e fatalista”, escreveu José Murilo de Carvalho no excelente “D. Pedro II”, da coleção “Perfis Brasileiros” (Companhia das Letras). Não era para menos. Dom Pedro d’Alcântara nunca quis ser dom Pedro II. Era um intelectual apaixonado pelos livros, simpatizante da República, mas cumpriu seu dever com rigor e patriotismo austríacos governando 49 anos.

Esse Habsburgo dos trópicos, de 1,90 metro, cabelos louros, olhos azuis e barba prematuramente embranquecida, chefe de um país de 9 milhões de mestiços e negros (a imensa maioria escravos), índios e alguns brancos, ficou órfão de mãe com 1 ano de idade, órfão de pai aos 9 (com a abdicação) e órfão de país aos 64 anos.

Foi criado por um batalhão de regentes, tutores e governantas, junto com três irmãs. Aos 14 anos impuseram-lhe o cargo de imperador. Com 18, empurraram-lhe o matrimônio com dona Tereza Cristina de Bourbon, do reino das Duas Sicílias, noiva “mui bela” que ao chegar ao Rio revelou-se baixa, coxa, feia, inculta e mais velha. “Enganaram-me”, chorou o noivo. Mas cumpriu o acordo.

Dom Pedro II deixou 43 cadernos de diário reclamando do sacrifício que a monarquia lhe impunha. Mas em 1840, quando virou rei, o país estava se fragmentando com as revoltas dos Farrapos, da Cabanagem, da Sabinada e da Balaiada, e quando foi deposto, em 1889, estava consolidado.

O Brasil avança mesmo muito devagar (quase parando), mas o tráfico de escravos acabou extinto e a escravidão, abolida. A instabilidade política foi substituída por um sistema representativo e pela hegemonia do governo civil, contrastantes com o caudilhismo sul-americano. O país conquistou o respeito da Europa e dos americanos, consolidou seu território e venceu a nada fácil Guerra do Paraguai. Embora “sem povo”, a monarquia constitucional brasileira foi mais liberal do que muitas repúblicas castelhanas.

Ainda assim, a incivil população carioca da época, que jamais poderia assimilar a pose europeia, tratou sua bonomia como fraqueza e pegou-lhe o apelido de “Pedro Banana”.

Em 17 de novembro, o imperador e a família real partiram no navio Alagoas, rumo ao exílio, numa viagem triste, agravada pelos ataques de loucura, a bordo, do príncipe dom Pedro Augusto. Melancolicamente, o navio subiu a costa e, na altura de Pernambuco, tomou a direção da Europa. Ao passar pela ilha de Fernando de Noronha, os exilados decidiram soltar um pombo com uma mensagem de despedida de apenas uma palavra: “Saudade”. Infelizmente, o mensageiro tinha as asas podadas.
Sob a vista de todos, caiu no mar e morreu afogado.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta