Os amigos estavam preocupados com Jackie Onassis no verão de 1975. Depois de enterrar o segundo marido e ver sua imagem de heroína nacional ser transformada em caçadora de heranças, a viúva de John Fitzgerald Kennedy e Aristóteles Onassis sentia-se entediada, talvez até com um pé na depressão. Foi de Tish Baldridge, sua fiel secretária pessoal e uma das 125 pessoas entrevistadas por Greg Lawrence para o livro“Jackie Editora” (Record), que sai agora no Brasil, a ideia para a nova ocupação. “Ouça, você conhece Tommy Guinzburg (então dono da editora Viking), por que não conversa com ele?”

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VIDA NOVA
Jackie na sede da Viking, editora nova-iorquina que a contratou em 1975.
A pouca experiência era compensada pela lista de contatos da profissional
que se tornara uma das mulheres mais conhecidas do seu tempo

No outono daquele ano, Jackie deixava o apartamento de 15 quartos com vista para o Central Park para dar expediente no escritório da avenida Madison, em Nova York, por US$ 200 semanais. A ex-primeira- dama, todos sabiam, não precisava trabalhar. Além de todo o patrimônio herdado do casamento com JFK, acabara de levar US$ 26 milhões da fortuna de Onassis, depois de um período de batalhas judiciais com a enteada Christina, que detestava a madrasta.

Guinzburg tinha a noção exata do retorno da sua aquisição. Uma repórter do jornal “Washington Post” o acusou de golpe publicitário com a contratação. Ao que o publisher respondeu: “Fico aqui pensando com quem a senhora almoçou hoje ou com quem vai jantar amanhã. E posso lhe garantir que, a qualquer momento, a senhora Onassis estará jantando com alguém ou com pessoas que nos ajudarão a produzir alguns dos livros mais interessantes da próxima década. Como poderíamos pensar de outra maneira?”

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HOME OFFICE
A ex-primeira- dama em sua biblioteca, que abastecia quase diariamente
com preciosidades. Algumas das edições lhe consumiam noites de
trabalho, que começavam depois de os filhos estarem na cama

A nova funcionária também conhecia bem seu papel estratégico na política de relacionamentos da empresa. Ela trouxe dezenas de nomes para a carteira da Viking e, mais tarde, também para a Doubleday, casa editorial que a acolheu quando teve de deixar a empresa de Guinzburg, por conta da publicação de um livro de ficção (ruim) com muitas referências à história dos Kennedy. Numa fase de negociação da publicação de textos de John Kenneth Galbraith, uma das colegas conta que Jackie se divertia ao contar da cantada que ouviu como resposta do economista. Galbraith teria dito preferir ser cortejado pela profissional que fazia o convite. Ela precisava se sentir uma mulher comum. Seu apelido na primeira casa editorial que a empregou, aos 46 anos, em pouco tempo, era Sandálias.

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TESTEMUNHAS
Novo livro que fala da ocupação profissional que Jackie assumiu na meia-idade
e nunca mais deixou traz depoimentos de alguns profissionais que nunca
tinham se pronunciado sobre a convivência com a viúva de JFK e Onassis

Mas foi com sua cultura incomum que Jacqueline Lee Bouvier Kennedy Onassis deixou algumas edições verdadeiramente admiráveis na história da Viking e da Doubleday. Depoimentos de colegas de escritório contam que, se existia um esforço imenso em se sentir mais uma funcionária, também era marcante a dedicação ao trabalho editorial em si. O livre acesso à sala do dono não a furtava de preencher relatórios e de preparar o próprio café, mas era na lida com os livros que Jackie mergulhava de maneira obstinada e incansável. “The Firebird and The Other Russian Fairy Tales” (“O Pássaro de Fogo e Outros Contos de Fadas Russos”) – das mesmas lendas que inspiraram o balé homônimo de Balanchine – custou dezenas de tardes da editora iniciante no Departamento de Cultura Eslava da Biblioteca Pública de Nova York. Ela própria traduziu os contos do francês e acompanhou – da preparação dos textos à impressão em gráfica – o volume, ilustrado, a seu convite, pelo artista plástico russo Boris Zvorykin, mestre das artes gráficas e decorativas que havia muito tempo não tinha a chance de publicar seu material. Esse é um dos poucos livros com o seu nome verdadeiro impresso, dos mais de 100 que editou. Jackie preferia assinar com a sigla de seu nome de solteira, Jacqueline Lee Bouvier. JLB era a marca nas edições que ajudava a trazer ao mundo. Greg Lawrence afirma que se tratava de uma atitude de sua biografada em não querer aparecer mais que os autores dos livros que editava. Mas é fácil imaginar que ela pudesse simplesmente querer sumir. Além de assediada pela imprensa e por fãs (uma das passagens mais engraçadas do livro é a entrevista com uma funcionária da portaria da Viking, que se divertia com as criativas tentativas de fãs em serem recebidos pela ex-primeira-dama), Jackie era perseguida por detratores, como integrantes da comunidade grega que não a perdoavam por não estar do lado de Onassis quando ele morreu. Um dos méritos do livro acaba sendo a revelação de bastidores na confecção de best-sellers como “Moonwalk”, a autobiografia que Michael Jackson cavou após o acidente que lhe provocou queimaduras durante um comercial de refrigerante.

O périplo da editora em tornar palatável o que o astro pop queria contar de si para o mundo é de um heroísmo comparável à perda do primeiro marido, assassinado com um tiro, no assento do carro ao seu lado.

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Fotos: Bettmann/CORBIS, AP Photo;  Alfred Eisenstaedt/Time & Life Pictures/Getty Images; Bettmann/CORBIS