O governo está em campanha.
O presidente, os ministros, as secretárias e até a turma do cafezinho.
Em Brasília, a única pessoa que não poderia fazer parte dessa pajelança, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também decidiu mergulhar de cabeça na sucessão presidencial. Na semana passada, o homem que zela pela estabilidade da moeda e de quem se espera distanciamento total da política disseminou uma ameaça. Em duas entrevistas, afirmou que o Brasil estará em risco, caso haja qualquer mudança de rota na política econômica. Disse ainda que, com Dilma Rousseff, o País seguirá no rumo certo – com José Serra, haveria tensão, incerteza e eventuais ataques especulativos contra o real. Por muito pouco, ele não exortou o candidato da oposição a assinar uma espécie de Carta ao Povo Brasileiro, como a de Lula, em 2002, comprometendo-se com o atual modelo econômico.

Na prática, Meirelles, que é filiado ao PMDB, começou a se oferecer abertamente para ser vice na chapa da ministra Dilma Rousseff. E tentou atrair Serra para uma armadilha: a de ser obrigado a defender, publicamente, as políticas do governo Lula. Nesse teatro político, Meirelles já escolheu seu papel: o de fiador da estabilidade. E decidiu entrar no jogo justamente no momento em que a relação entre PT e PMDB se mostra mais frágil. Lula pediu uma lista tríplice de eventuais vices e também afirmou que caberá a Dilma escolher seu companheiro de chapa – como no PMDB não é simples encontrar pessoas de reputação ilibada, Meirelles se enxerga como uma alternativa viável.

Ocorre que a situação atual é bem diferente daquela de 2002. E o Serra de hoje também não é o Lula de ontem. Naquele ano, a economia só saiu dos trilhos porque o PT ainda era uma incógnita e, de fato, representava uma ameaça de ruptura. No ano que vem, o que quer que aconteça com a economia, não será culpa de Serra. Uma eventual derrapada deverá ser debitada na conta do governo federal, que não tem medido esforços nem gastos para acelerar a economia ao máximo, além dos limites da prudência.

Quando anunciou sua filiação a um partido político, Meirelles garantiu que a decisão não mudaria em nada seu comportamento no BC. Ele chegou a participar de um comício ao lado do presidente Lula, mas depois se arrependeu e conseguiu vencer as desconfianças. Agora, com as insinuações de que uma vitória da oposição colocaria em risco a estabilidade econômica, ele acaba de confirmar a suspeita inicial: a de que não é nada razoável vestir dois chapéus – o de político e o de presidente do Banco Central – ao mesmo tempo.