O céu azul-anil de Cochabamba foi cortado no sábado 8 por rajadas de metralhadoras. Nuvens de fumaça e de gás lacrimogêneo espalharam-se pelas ruas da terceira maior cidade boliviana em um dos mais violentos confrontos dos últimos anos entre o Exército da Bolívia e a população. O cenário do enfrentamento que deixou cinco mortos e cerca de 60 feridos foi a praça das Armas. Os manifestantes jogaram pedras contra o edifício da prefeitura da cidade, exigindo o fim do consórcio internacional Águas de Tunari. A empresa anunciou um aumento de 35% no preço da água potável, com a justificativa de que o dinheiro seria para a construção de um reservatório que resolveria os problemas de abastecimento da cidade. Metade do 1,2 milhão de moradores da região de Cochabamba não tem água potável e os que têm a recebem de graça. Sai governo, entra governo e há quatro décadas não é implementado um programa de saneamento básico.
A falta de água de Cochabamba é apenas a ponta do iceberg dos problemas que afligem um dos países mais pobres da América Latina. No mesmo sábado do estopim em Cochabamba, o presidente Hugo Bánzer, eleito democraticamente em 1997 e ex-ditador entre 1971 e 1973, impôs estado de sítio por 90 dias numa tentativa de, segundo ele, conter a “convulsão social”. Em La Paz, os motivos da convulsão eram outros. Policiais descendentes de camponeses enfrentaram militares armados num confronto direto. Eles exigiam aumento de 150% em seus salários de US$ 70 (cerca de R$ 120), além de melhores condições de trabalho, como novas viaturas e aparato militar para combater o narcotráfico.

As faíscas de insatisfação contra o governo Bánzer se alastraram rapidamente por seis das dez províncias bolivianas. No povoado de Achacahi, a 120 quilômetros da capital, os camponeses fecharam as estradas com pedras, pneus e troncos de árvores. Eles reivindicam do governo federal melhores vias para a distribuição de alimentos e a revisão da Lei da Reforma Agrária, garantindo uma mais justa distribuição de terras. Nos confrontos entre soldados e camponeses, um capitão do Exército foi ferido a golpes de machado.

Na terça-feira 11, a Central Operária Boliviana (COB) – a maior força sindical do país que vem organizando manifestações contra as medidas neoliberais do governo boliviano nos últimos dois anos – convocou uma greve geral, exigindo o fim do estado de sítio e pedindo a libertação do líder sindical máximo Felipe Quispe. Mais de 20 sindicalistas foram presos, o que inflamou ainda mais o espírito de revolta dos bolivianos. Milhares de estudantes aderiram ao movimento sindical e marcharam pelas ruas de La Paz.

Mesmo depois de o governo anunciar que irá revisar a Lei das Águas, a temperatura das manifestações não diminuiu. Os camponeses continuaram bloqueando as estradas e os estudantes prosseguiram com os protestos e avisaram que só irão parar quando for suspenso o estado de sítio. O maior temor é a militarização do país, o que Bánzer garantiu que não vai acontecer. “Resolveremos tudo pelo diálogo”, prometeu o ministro do Interior, Walter Guitenas.