Tema constante de reuniões escolares, a lição de casa é um tormento não só para os alunos. Faltam a muitos pais disposição e tempo para sentar com o filho e orientar os deveres de casa depois de um dia duro de trabalho. Sobram as reclamações da escola e a culpa por não estar dando a devida atenção ao desenvolvimento do filho. Os que têm disponibilidade e até os que se deliciam fazendo, eles próprios, a tarefa das crianças não estão livres de dificuldades. Ficam confusos na hora de orientar, ensinam de forma diferente da professora, atrapalham a autonomia do filho ou exigem demais. Resultado: crianças chorosas, preguiçosas ou birrentas e pais à beira de um ataque de nervos. Era o que acontecia com a pedagoga Mônica Borba e seu filho Arthur, o Tuta, oito anos. “Ele gosta de movimento e não conseguia se concentrar. A hora da lição era o momento das dores. Doía a cabeça, a perna. Nem sempre eu mantinha a calma”, conta a mãe. Parece difícil evitar que o momento não se torne a hora do espanto, com choro e ranger de dentes. Mas medidas simples, como estabelecer uma rotina ou criar um lugar apropriado ao estudo, podem ser de grande ajuda. Aceitar que o filho está em processo de aprendizagem também é essencial. Às vezes, é só uma questão de tempo. Este ano, Tuta já consegue fazer a lição sozinho. “Ele amadureceu. Só depende de mim para algo mais complicado”, diz, satisfeita, a mãe.
As dúvidas e a ansiedade geradas entre pais e alunos são tão recorrentes que a Escola da Vila, em São Paulo, decidiu fazer uma pesquisa para aperfeiçoar o trabalho de orientação a pais e alunos. O estudo, iniciado em julho do ano passado, aponta resultados preliminares. Exercícios mecânicos, com cópias e repetições, são os mais rejeitados. Os desafios, que incluem pesquisas, criações e experimentações, são os preferidos. Lições longas provocam cansaço só de olhar. “A diversificação motiva. As crianças preferem ter cinco tarefas diferentes que exijam uma hora e meia para fazer a ter uma que leve o mesmo tempo”, registra Clice Haddad, orientadora educacional da escola. Outra questão é a importância da escola na orientação dos pais. A dificuldade pode estar não na criança, mas sim no modo de vida da família. Quando os pais não conseguem se organizar, a criança segue o mesmo ritmo, ou melhor, a falta dele. Se um adulto pega a criança para ir ao shopping ou ao dentista no horário da lição, ele tem de antever que será necessário reprogramar a atividade. E ajudar o filho a fazer isso. O planejamento é uma habilidade que os pequenos só desenvolvem com o tempo. Se forem orientados para isso. “A criança adquire a capacidade de planejamento a partir dos 11 anos, mas nem sempre ela aprendeu como fazer uso dela”, nota Clice.

Horários – Planejar e controlar o tempo é uma arte difícil até mesmo para os adultos. Mas seguir uma rotina ajuda muito. Horários predeterminados para as atividades permitem às crianças e aos adultos se organizarem. Reservar um local para os estudos é outro meio de ajudar. “Não precisa ser aquela escrivaninha, basta um cantinho com lápis, caneta, folhas avulsas. Não dá para fazer tarefa no meio da sala ou da cozinha. É o cachorro que passa, o irmão que tira um sarro, a panela que queima ou o telefone que toca”, ensina a psicopedagoga Raquel Whitaker, de São Paulo. Também nada de fazer lição de casa deitado no chão, vendo tevê ou ouvindo rádio. “Os vários estímulos atrapalham a concentração. A criança interrompe muitas vezes o raciocínio e a lição leva o dobro de tempo para acabar”, afirma Kátia Smole, da Matema, empresa de consultoria escolar. Nem por isso, vai-se programar a lição de casa justamente no mesmo horário do programa de tevê preferido. Os acordos devem fazer parte do dia-a-dia familiar. O ideal é que seja escolhido um horário bom para todos.

Referência – É natural que a criança nos primeiros anos escolares exija a presença de um adulto ao fazer a lição de casa. Ela precisa de um referencial que dê segurança e apoio. “A participação e o interesse dos pais na vida escolar do filho influem no significado e na valorização que a criança vai dar à escola”, afirma Kátia, que oferece consultoria escolar. Uma interferência equilibrada fará com que a criança adquira autonomia para realizar as tarefas. O tema gera muitas reclamações por parte da família porque, às vezes, nem mesmo os pais entendem que as tarefas são necessárias para que a criança reveja o que aprendeu em classe, aprofunde um assunto por meio de pesquisas e principalmente para que desenvolva a capacidade de se concentrar e produzir sozinha. E nunca – é bom ressaltar – devem significar castigo. “A tarefa de casa tem de ser um compromisso da criança – e não dos pais – com o aprendizado e o professor”, sintetiza a coordenadora pedagógica Sandra Maria Hubner, do Colégio Albert Sabin.
Há também que se considerar as diferenças de personalidades e não cobrar o mesmo tipo de atitude de todos os filhos. Na casa da enfermeira Valdete de Medeiros, 42 anos, a filha Camila, dez anos, faz as lições com prazer, mas Guilherme, 13 anos, resiste e, se puder, não faz mesmo. Apesar de não afrouxar o controle, Valdete está convencida de que o filho não se dedica mais por opção. “Ele é muito tranquilo. Tem capacidade, mas se contenta em fazer o suficiente para passar de ano”, conta ela. Guilherme confirma: “Ter que ir à escola e ainda fazer lição é muito chato. Poderia estar jogando videogame, ouvindo música.” Essa é uma questão típica de adolescentes que estão despertando para tantos outros interesses. O próprio Guilherme reconhece que quando era menor não achava tão ruim “perder” tempo estudando. Mas é exatamente nessa fase que se nota o quanto a organização é benéfica. Se a criança aprendeu desde o começo da vida escolar a dividir bem o seu tempo, poderá pensar no namoro, ouvir a banda preferida ou ficar horas se olhando no espelho sem prejuízo ao rendimento escolar. E a agenda é uma grande aliada para liberar a mente. Mas, como ressalta a orientadora da Escola da Vila, não se nasce sabendo utilizar uma agenda. “É preciso ensinar a planejar as tarefas e os trabalhos, principalmente quando são de longo prazo: até tal dia, tal parte deve estar pronta e assim por diante”, exemplifica.

Período integral – Para evitar o desgaste da relação com os filhos, alguns pais apelam à terceirização. Escolhem uma escola com período integral ou uma pessoa para acompanhar a criançada, que pode ser o tradicional professor particular ou até um acompanhante terapêutico, psicólogo que se dedica a ajudar a criança a se organizar, criar uma rotina de estudos e fazer suas pesquisas. Gerente financeiro de uma empresa de eventos, Mônica Oliveira encontrou no período integral a melhor forma de resolver o seu problema. Ela não conseguia chegar em casa antes das nove da noite. Muitas vezes encontrava o filho Thiago, oito anos, dormindo na mesa em cima dos cadernos. “Ele ficava me esperando para fazer a lição de casa e caía de sono. Quando conseguia chegar a tempo, também não era fácil. Era desgastante para mim e para ele”, diz a mãe. Thiago agora fica dois períodos na escola: de manhã faz o primeiro grau e à tarde faz as lições e pratica esportes. À noite, mãe e filho podem, sem tensões, aproveitar os momentos que têm juntos. Na maioria das vezes, no entanto, medidas como essa não são necessárias. A simples reavaliação do dia-a-dia da família ajuda a substituir o choro e a bronca por prazer e diversão.