A gendada há meses, a coletiva de imprensa com o presidente da França, François Hollande, na terça-feira 14, era esperada como um divisor de águas para o governo do socialista. Hollande anunciaria ali, diante de 600 jornalistas, uma guinada econômica à direita, com planos de reformas estruturais, que incluem cortes de gastos públicos e redução de impostos para empresas. Em suas palavras, uma “nova” social-democracia. A primeira pergunta, contudo, nada tinha a ver com o assunto: “Com a proximidade de sua viagem planejada aos Estados Unidos, essa é a questão: Valerie Trierweiler ainda é a primeira-dama da França?” Nas últimas semanas, a insinuação de um caso extraconjugal de Hollande com a atriz francesa Julie Gayet, 41 anos, estampou a capa de uma revista de celebridades, levou Valerie ao hospital e abriu um debate sobre a privacidade em tempos de redes sociais num país com longa tradição em deixar a vida particular de políticos fora das bancas de jornal.

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TRIÂNGULO
A atriz Julie Gayet (abaixo) foi o pivô da crise conjugal que ameaça
acabar com o casamento de Hollande e Valerie Trierweiler

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O presidente se saiu com a pouco original “assuntos privados devem ser tratados de forma privada” e disse que passava por um “momento difícil.” A resposta oficial só será dada na véspera da visita à Casa Branca, onde Hollande tem um jantar de Estado marcado para 11 de fevereiro. A suposta traição do socialista, dono de uma imagem de homem comum, quase um “picolé de chuchu”, expõe a fragilidade do “sangue latino” dos franceses diante de belas mulheres. As paredes do Palácio do Eliseu já foram testemunhas de inúmeros casos de amor que nem sempre tinham a primeira-dama como protagonista. O ex-presidente Jacques Chirac, por exemplo, mal deixou o cargo, em 2007, e admitiu publicamente ter traído a mulher em diversas ocasiões. Numa passagem do livro “Sexus Politicus”, dos jornalistas Cristophe Deloire e Cristophe Dubois, os autores afirmam que entre as frases mais ditas por Bernadette, a mulher de Chirac, estava “Você sabe onde está meu marido esta noite?” Lançado em 2006, o livro ficou durante várias semanas entre os mais vendidos. Por 400 páginas, os jornalistas desafiam as rígidas leis locais de proteção à privacidade e desvendam a relação histórica – e até então discreta – entre sexo e poder na França.

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François Mitterrand, presidente da França de 1981 a 1995, escapou de lidar publicamente com o escândalo de suas traições. Mesmo com uma segunda família desde antes de ser eleito, o que era conhecido por seus assessores mais próximos – sua filha, Mazarine, disse recentemente que entrava no palácio presidencial por uma porta dos fundos que levava direto aos quartos e que Mitterrand passava quase todas as noites com sua mãe, Anne Pingeot –, a história só veio à tona quando ele morreu vítima de câncer, em 1995. No funeral, Anne e Mazarine estiveram ao lado da família oficial: Danielle, a primeira-dama, e seus dois filhos. Valéry Giscard d’Estaing, presidente entre 1974 e 1981, não teve a mesma sorte quando sofreu um acidente de carro na Champs-Elysées nas primeiras horas da manhã ao voltar de um encontro com uma atriz. O acaso, no entanto, lhe brindou com um aumento de popularidade logo em seguida. As amantes também podem ser encontradas na biografia de Félix Faure, presidente de 1895 a 1899, e do imperador Napoleão Bonaparte (leia quadro).

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MANCHETE
A revista "Closer" não seguiu a tradição da imprensa francesa em não
divulgar a vida privada dos políticos e agora está sendo processada por Julie Gayet

A decisão de manter separadas vida privada e pública tem menos a ver com a cultura francesa do que com uma legislação pouco tolerante aos tabloides. O direito à privacidade é garantido pela Constituição a todos os cidadãos e sua violação é tratada na esfera criminal, o que pode resultar em multas e até cadeia. Com base nisso, Julie Gayet, apontada como amante do presidente, disse na semana passada que vai processar a revista “Closer”. Nas sete páginas dedicadas ao “affair”, as fotos mostram Julie chegando a um hotel próximo do palácio presidencial, seguida de um segurança que inspeciona o local para, finalmente, Hollande aparecer, sobre uma moto com capacete, e entrar. O primeiro prejuízo à imagem da atriz já foi calculado. Na quarta-feira 15, Julie foi desconvidada da banca do júri da Academia Francesa de Artes em Roma da qual faria parte. Em tempo: os membros do júri são nomeados pelo governo francês.

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Fotos: Benoit Tessier/REUTERs; THOMAS SAMSON/AFP PHOTO; THOMAS COEX/AFP PHOTO; KHALED EL FIQI/EFE; Remy de La Mauviniere/AP