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Se ainda restava alguma dúvida sobre o ímpeto reformador do papa Francisco, essa dúvida se dissipou por completo na semana passada. Em um intervalo de cinco dias, o sumo pontífice deu início a uma verdadeira faxina ao tomar três grandes medidas que aceleram as mudanças que tiveram início em 2013. No dia 12, o jesuíta anunciou 19 novos cardeais cujos perfis mostram clara ruptura na lógica eurocêntrica que perdura desde os primórdios da Igreja Católica. Três dias depois, veio a público um comunicado seu informando que quatro dos cinco cardeais que compunham uma comissão criada por Bento XVI para colocar o problemático Banco Vaticano nos eixos seriam trocados. E, enfim, no dia 16, um bispo e um arcebispo católicos participaram, pela primeira vez na história, de uma audiência com o Comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Infância. Interrogados duramente pelos membros do órgão, eles admitiram falhas no tratamento que a instituição tem dado aos abusos cometidos por padres contra crianças. “Há certas coisas que precisam ser feitas de maneira diferente”, disse, resignado, o bispo Charles Scicluna, ex-promotor do Estado do Vaticano para casos dessa natureza.

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PRETERIDO
Dom Odilo Scherer foi retirado, a pedido do papa, da comissão
cardinalícia para supervisão do Banco Vaticano

Embora as três medidas tenham peso semelhante no universo de mudanças anunciadas por Francisco, a segunda, anunciada no dia 15, teve reverberações mais expressivas no Brasil. Afinal, ninguém menos que dom Odilo Pedro Scherer, cardeal-arcebispo metropolitano de São Paulo, 64 anos, está entre os quatro afastados da chamada “Comissão Cardinalícia para a supervisão do Instituto para as Obras de Religião (Banco Vaticano)”. Indicados para o cargo em 2009 pelo então papa Bento XVI e confirmados na função em um dos últimos atos do alemão antes de sua saída do cargo, dom Odilo e os outros quatro cardeais da comissão deveriam permanecer em seus cargos até 2018. Francisco, porém, achou por bem substituí-los cinco anos antes da data estabelecida. Especula-se que, ao trocar os indicados de Bento XVI por aliados diretos, Francisco espera acelerar o processo de reforma dessa que é uma das mais escandalosas instituições da Santa Sé.

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Nesse sentido, dom Odilo teria sido apenas engolido pela onda de trocas que vem sendo feita na hierarquia da Igreja Católica pelo pontífice argentino. Paulatinamente, em seus esforços reformadores, Francisco estaria desfazendo a teia de poder que se consolidou durante o papado de Bento XVI. Teia, aliás, da qual dom Odilo fez e faz parte e é profundo conhecedor. Foi durante o pontificado do alemão que o então bispo dom Odilo se tornou cardeal, em 2007, e acumulou funções em nada menos do que seis instituições pontifícias, entre congregações, comissões e conselhos. Tido como conservador e alinhado a Bento XVI, o brasileiro foi um dos fortes candidatos da “situação” durante o conclave que, até eleger Francisco, o colocou, nas mais tímidas das estimativas, entre os cinco cardeais mais votados para o cargo máximo dos católicos. Com a eleição de Francisco, a oposição venceu e uma onda progressista tomou o Vaticano, o que, em análises heterodoxas, poderia explicar, pelo menos em parte, o afastamento de dom Odilo da comissão para supervisão do Banco Vaticano. Seria a primeira de muitas decisões que podem continuar tirando de Roma um dos cardeais brasileiros mais próximos da Santa Sé.

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PULSO FIRME
Francisco não completou nem um ano de pontificado e já
promoveu mudanças drásticas na engrenagem da Igreja

Como se isso já não fosse problema suficiente para dom Odilo, ele tem, atualmente, uma questão espinhosa em seu próprio território, na arquidiocese de São Paulo. Jovens católicos e pessoas ligadas a algumas universidades paulistas descontentes com o modo autoritário de o cardeal administrar a Cúria preparam um protesto para 25 de janeiro, aniversário de São Paulo. Contrariado, principalmente, pelo silêncio do religioso diante de repetidos pedidos por explicações para as transferências de párocos da região do Ipiranga, na zona sul da capital paulista, o grupo promete aparecer na Catedral da Sé no dia do aniversário da cidade empunhando cartazes e usando nariz de palhaço para pedir uma audiência. “Não iremos intervir na cerimônia, mas precisamos ser ouvidos e, mais que isso, receber explicações”, diz um dos organizadores do protesto, que prefere não se identificar. Segundo ele, os caminhos usuais para contato com o cardeal não têm surtido efeito.

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PELOTÃO
Mary Glendon (acima), da Universidade Harvard, vai esmiuçar o IOR,
enquanto o bispo Charles Scicluna (abaixo), ex-promotor do Vaticano
para casos de pedofilia, trabalha para coibir novos casos desse tipo

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Ainda que dom Odilo tenha perdido o cargo na comissão para supervisão do Banco Vaticano e viva um período pouco tranquilo na arquidiocese que lidera, restam-lhe, ainda, muito poder e influência. Dedicado e trabalhador, de formação impecável e, em última instância, fiel ao papa, seja ele quem for, dom Odilo tem mais chances de se adaptar aos novos tempos da Igreja sob Francisco do que perder o prestígio e poder que tem. Coisa que não deve acontecer com figuras como o polêmico cardeal Tarcisio Bertone, por exemplo, ex-secretário de Estado e pivô de vários escândalos da Cúria Romana, e seus aliados. Nas reuniões pré-conclave, em que os cardeais se encontraram para discutir quais rumos o novo papa deveria dar à Igreja, ficou clara a necessidade de reformas, principalmente na Cúria Romana. Francisco está fazendo justamente isso. Só parece ter preferido começar com uma faxina geral.

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Fotos: AFP PHOTOPOOL ANREW MEDICHINI; Montagem sobre foto de Alan R Zeleznikar e Avener Prado, REUTERS/Darrin Zammit Lupi; Brooks Kraft/Sygma/Corbis; AGF S.R.l./REX; ROPI/ZUMAPRESS; TOPSHOTS/AFP PHOTO / GABRIEL BOUYS


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