Às vésperas de mais uma reforma ministerial, os partidos repetem o enredo desgastado de disputas pelo comando de ministérios e cargos públicos no alto escalão. A principal arma é a chantagem, embora isso seja muitas vezes um simples teatro. Se o governo corre o risco de ficar sem preciosos minutos de campanha pela tevê pela ruptura de um aliado, a verdade é que a maioria dos companheiros de viagem teria imensa dificuldade em encontrar um novo barco de uma hora para outra para mudar de rota.

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MUDANÇAS À VISTA
Com exceção de Aloizio Mercadante, que deve ser promovido
da Educação para a Casa Civil, os demais ministros desta foto
deixarão o governo para concorrer às eleições em seus Estados

Em nenhum lugar do mundo as alianças políticas se formam com base no puro compromisso de ideias e motivações ideológicas, mas as cenas da semana passada tiveram a capacidade de ser um pouco mais deprimentes do que as outras, até porque a presidenta Dilma Rousseff possui um governo com 39 ministérios justamente para acomodar interesses no mesmo volume e diversidade. Nessa guerra de barganhas por uma maior fatia do bolo, o PMDB levou a fama de ser o mais guloso dos convidados, mas trata-se de uma meia-verdade. Não que o partido tenha abandonado o fisiologismo que o caracteriza há décadas e o faz manter-se na órbita do poder, qualquer que seja o governo. Nesse caso, porém, vem do PT o jogo de bastidores discreto e mais ambicioso.

O partido do governo  comanda 18 cargos do primeiro escalão que juntos movimentam nada menos do que R$ 427 bilhões. Nesse conjunto, estão incluídos os gigantes da Esplanada – Saúde, Educação, Fazenda e Planejamento –  assim chamados não só pelos recursos que são capazes de mobilizar, mas pelo poder de influência direta sobre a máquina do Estado e, através dele, sobre a vida de cada eleitor e sua família. No caso de Saúde e Educação, são máquinas com um imenso número de funcionários, organizados numa estrutura capilar que coloca seus representantes pelo país inteiro numa atividade que tem valor eleitoral conhecido. Cientes de que governar é atrair aliados, mas sem perder a desconfiança jamais, o PT, com a anuência do Planalto, faz questão de manter as máquinas mais poderosas em suas próprias mãos, impedindo que sejam colocadas na mesa de negociações.

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ALVO DE PT E PMDB
Setores do Planalto querem Josué Gomes, filho de José Alencar,
no Desenvolvimento. Mas ele sofre restrições de PMDB e PT

Essa posição cautelosa também se aplica a outros ministérios com caneta, verbas e cargos. A avaliação, elaborada pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, hoje o braço direito e esquerdo na reforma, é clara: deixar aliados assumirem pastas como Integração Nacional e Cidades, em que estão algumas das obras mais relevantes para a sociedade, representa o risco de  alimentar uma força que, mais tarde, pode se tornar um problema e até uma ameaça. Foi esse argumento que levou a presidenta a pensar mais demoradamente sobre a  ideia de entregar a Integração ao PMDB, cuja cúpula no Congresso já havia até anunciado o nome do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) como ministro. A pasta tem previsto para este ano nada menos do que R$ 6,5 bilhões para investir nos Estados e municípios. Na Paraíba, as negociações em torno das alianças, até o ano passado, se davam levando em conta a condição de ministro de Vital. Agora, é possível ocorrer uma mudança de planos. Desde de que os aliados foram informados de que deveriam desistir de sonhar com o Ministério da Saúde, a partir da constatação realista de que nenhum governo entregaria a gestão de um programa eleitoralmente essencial como o Mais Médicos para um aliado, por mais leal que ele possa ser,  a Integração entrou no radar do novato PROS, cujos caciques são os irmãos Cid e Ciro Gomes, indispensáveis para colocar uma barreira ao crescimento de Eduardo Campos no Nordeste.

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Nesse caso, em vez da Integração, Vital do Rêgo pode ficar com o Ministério das Cidades, cujo peso eleitoral é ainda maior: orçamento de R$ 7 bilhões para investimentos. A questão é que  Cidades hoje pertence ao PP do deputado Aguinaldo Ribeiro, do senador Francisco Dornelles, uma voz influente no Rio de Janeiro, e da senadora Ana Amélia, que pode ter um papel essencial se ficar neutra no Rio Grande do Sul.

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A verdade é que nem todas as negociações feitas em nome dos partidos têm um caráter coletivo. Uma das vozes mais influentes no PMDB, o senador Renan Calheiros está empenhado em manter as Cidades com o PP, desde que o titular venha a ser o senador Benedito de Lira, alagoano como ele. Lira é, hoje,  um obstáculo à consolidação da candidatura de Renan Filho (PMDB-AL) ao governo de Alagoas, que não decola por diversos motivos, entre eles a presença de Lira como pré-candidato. Embora o próprio Lira tenha se manifestado, publicamente, como adversário dessa barganha, dizendo que não abre mão de disputar o governo estadual, em Brasília considera-se que seria humanamente muito difícil resistir a uma pasta de R$ 23 bilhões.

Uma reunião no Palácio do Jaburu entre o vice-presidente Michel Temer e a cúpula peemedebista, na quarta-feira 15, afinou o discurso. O partido resolveu que não vai fazer ameaças periódicas de ruptura sempre que um ministério ameaçar escapar entre seus dedos, blefe que costuma perder a credibilidade quando usado com muita frequência. A ideia é mostrar firmeza nos argumentos. O ponto principal  é numérico. Com 97 parlamentares, o PMDB detém o comando de cinco ministérios, sendo que um deles, o da Previdência, acumula mais problemas do que dividendos eleitorais. Os peemedebistas afirmam ainda que pastas que a legenda recebeu para comandar vieram pela metade. O Turismo, por exemplo, não chegou acompanhado da  Embratur, que foi reservada ao PCdoB.

O PMDB também não quer aceitar na cota da legenda ministros que só assinaram a ficha de filiação por recomendação de Lula ou da própria Dilma  – mas não têm maiores compromissos com a bancada parlamentar nem com a máquina partidária. Assim, o PMDB descarta incluir em seu time a indicação do empresário Josué Gomes para o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio no lugar do petista Fernando Pimentel. Empresário de prestígio reconhecido, Gomes é filho do falecido ex-vice-presidente José Alencar, e recém-filiado ao PMDB por orientação do ex-presidente Lula. Para dar um caráter menos personalizado ao protesto, Michel Temer foi incumbido de explicar a Dilma que o estatuto do partido possui uma cláusula de fidelidade que não permite que alguém filiado a menos de três anos se torne ministro pela legenda. O PT também atira em Josué. Pressionada, Dilma está com a batata quente nas mãos. O desafio é acomodar todas as forças que a apoiarão na reeleição sem desagradar a ninguém.

Montagem sobre fotos: Folhapress, Adriano Machado/Ag.Istoé e Ag. Frame, ONNE RORIZ/ESTADãO CONTEÚDO 


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