Nunca uma revolução foi tão rápida. Em apenas 30 anos, a rede de computadores que os americanos criaram para uso militar transformou-se numa gigantesca malha de 3,6 milhões de sites e 196 milhões de usuários – 5,8 milhões deles, brasileiros. Estamos imersos em bites e os impactos de avanços à velocidade da luz nas tecnologias de informação já são visíveis. O mundo, depois da Internet, decididamente não é mais o mesmo. Tudo está mudando. O modo de criar riquezas, a natureza do comércio, a dinâmica do aprendizado. As grandes corporações estão dando lugar a estruturas empresariais ligadas em rede. O trabalho deslocou-se da sede da empresa para a casa, o carro, o cybercafé. Com um mouse na mão, é possível explorar as ruínas romanas, visitar a prima nos Estados Unidos, participar de um debate sobre hepatite B, analisar a movimentação bancária, descobrir por que você tem dores de cabeça e, claro, namorar. Tudo sem sair da cadeira. O planeta agora cabe num computador e a palavra-chave para relacionamentos de todo tipo dentro dessa nova ordem é cada

vez menos hierarquia e mais interatividade.
A geração que cresce cercada pela mídia digital já é maior que a dos baby-boomers – os filhos da explosão demográfica das décadas de 40 e 60 nos EUA, Canadá e Austrália. Os jovens navegadores somam hoje 30% da população mundial, contra 29% dos boomers. Vêem o computador como extensão natural de suas vidas e são mais bem informados do que qualquer geração anterior. Seu comportamento tem uma referência clara na Internet: querem respostas rápidas e muitas opções para exercitar suas escolhas. São excepcionalmente curiosos, sabem que cabe a eles a criação de seu próprio bem-estar e valorizam vigorosamente direitos individuais, como o direito à privacidade e o de ser deixado em paz. Mais. Pela primeira vez, há coisas que os pais gostariam de saber e fazer, mas são os filhos que sabem e fazem melhor. A conversa à mesa do jantar agora é outra. Talita Alencar de Oliveira, de apenas oito anos, ensina a avó, a advogada aposentada Maria Aparecida, 63 anos, a mexer no computador. “Mostrei a ela maneiras mais rápidas de acessar a Internet e outro dia mandamos um e-mail para minha prima nos EUA. Fico alegre em descobrir coisas no computador”, conta Talita.

Ter a hierarquia do conhecimento invertida é uma experiência completamente nova em nossa sociedade. Por assimilarem a mídia digital com mais rapidez, crianças e jovens hoje têm uma autoridade em relação aos adultos que nunca tiveram. Com eles, está se inaugurando também uma nova cultura do trabalho. “Empresas com modelo antigo certamente estão tendo dor de cabeça com os jovens internautas, interligados em rede, adeptos da colaboração e do trabalho virtual, céticos com relação à autoridade e que não ficam na empresa esperando a aposentadoria ou demissão”, afirma o americano Don Tapscott, autor do best seller Geração digital. “Quando têm uma boa idéia e não conseguem desenvolver, eles pedem o boné. Não se prendem com promessas de crescimento. Querem o futuro já”, confirma o headhunter do mercado financeiro Denys Monteiro.

Paradigma – Formada em hotelaria e administração, a paulista Roberta Raduan, 27 anos, não aguentou mais de um ano na Coopers and Lybrant, empresa de consultoria e negócios. Apesar de ter pouca experiência, era respeitada por que sabia navegar na rede com uma habilidade invejável. “Ninguém entendia do assunto como eu. Comecei a sentir que o ritmo era lento para mim. A vontade de crescer era mais rápida que a hierarquia da empresa”, lembra Roberta. Há três anos, ela pediu demissão da Cooper para montar seu próprio negócio: o site Euro Interaction, que gerencia comércios virtuais e faz campanhas de mídia digital. Trabalha com 30 pessoas e é a mais velha do grupo. “Somos muito rápidos, queremos resultados, queremos fazer parte das mudanças. Nosso paradigma é outro”, diz Roberta. Há cinco anos, ela respira Web 24 horas por dia e, por enquanto, ganha R$ 8 mil. “A Internet me abriu um mundo novo”, diz.

Para que essas transformações ocorressem, foi preciso grudar o olhar na tela do computador e passar menos tempo ao lado de seres humanos reais. O maravilhoso e irreversível mundo digital trouxe também a solidão. É o que garantem cientistas do Stanford Institute for the Quantitative Study of Society, da Universidade de Stanford. Uma pesquisa recente realizada pelo instituto com 4.113 americanos adultos mostrou que um quarto dos entrevistados fica na rede mais de cinco horas por semana e sente ter reduzido o tempo ao lado dos amigos e da família. Por causa da Internet, também gastam mais horas trabalhando em casa e experimentam depressão e solidão. “A Internet está criando uma onda de isolamento social, levantando o espectro de um mundo fragmentado, sem contato humano nem emoções”, aterroriza o cientista político Norman Nie, um dos organizadores da pesquisa. Autor do livro Organização virtual – impacto do teletrabalho nas organizações, o engenheiro carioca Alberto Trope concorda com Nie. “Pessoas que passam muito tempo diante da tela do computador podem sofrer de insegurança, isolamento social, rejeição e falta de reconhecimento social.”

Poucos amigos – O paulista Mário Luís Barnabé, 28 anos, desempregado, é um dos solitários da Internet. “Fico mais tempo no computador do que na rua. Sempre fui de poucos amigos. A Internet só potencializa essa minha característica”, afirma Barnabé, que chegou a passar oito horas seguidas num bate-papo virtual com uma garota. Barnabé é viciado em namoros eletrônicos. Há um ano, apaixonou-se por outra mulher virtual e foi parar no hospital com depressão. “Não comia nem dormia. Só pensava nesse amor que nunca cheguei a conhecer”, lembra. Menos exagerado, o técnico eletrônico carioca Cláudio Guedes, 31, não abre mão de 15 horas diárias no computador, onde montou o site de caminhadas Trilhar-te. Só quando a mulher reclama, ele desacelera o mouse. “Para quem trabalha em casa como eu, a rede pode virar um vício e aumentar a solidão”, reconhece. Iberê Landulpho, estudante de Direito, 22 anos, gasta uma hora e meia de seu dia plugado na Internet. Não vai mais a bancas de jornais e é tão impaciente que conversa no chat enquanto espera outros sites carregarem. “Tudo isso é para ficar por dentro da profissão”, garante.

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Barnabé, Guedes e Iberê sentem-se, sim, solitários, mas não acham grave estar plugado a uma máquina enquanto os vizinhos pegam sol e confraternizam nas ruas. São entusiastas do mundo online, comemoram a facilidade de comunicação com pessoas dos mais longínquos pontos do planeta e a infinita possibilidade de relacionamentos eletrônicos alternativos. Ainda que a distância. A regra para uma convivência saudável com a rede, segundo eles, é saber a hora de parar. “Quando percebo que estou pegando pesado, eu mesmo me dou um basta. A Internet é uma ponte para somar, não para excluir”, diz Guedes. A discussão é polêmica. “A Internet não pode ser culpada por preencher um vazio que já existe nas pessoas por causa da complexidade da vida urbana”, afirma o psiquiatra paulista Henrique Del Nero. “Na medicina, por exemplo, a informação em tempo real faz uma diferença brutal. Podemos monitorar cirurgias a distância e ter acesso rápido a bancos de dados para diagnósticos. Os médicos têm condições de errar menos”, completa. “Diziam que a televisão iria trancar as pessoas dentro de casa e isso não aconteceu. A diferença em relação à Internet é que a tevê é massificadora e unidirecional”, ressalta o presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância, o americano Fredric Litto.

Embora o diálogo humano cada vez menos aconteça face a face, a Internet, segundo Litto, fez surgir uma enorme quantidade de comunidades aglutinadas por interesses específicos, sejam eles quais forem. Barnabé, por exemplo, faz parte de uma sala de descasados e encontra-se com eles pelo menos uma vez por semana em um bar. Guedes descobriu na Internet amantes de caminhadas ao ar livre e organiza passeios para mais de 20 pessoas nos fins de semana.

Aprendizado – Mas é na área da educação que os benefícios da rede são mais festejados. “Durante um congresso de educação no Canadá, há dois anos, uma enfermeira separada do marido e com um filho para criar contou que só conseguiu se formar porque estudava à noite pela Internet. Uma pesquisa feita nos EUA e no Canadá mostra que os alunos aprendem mais no vai-e-vem de idéias da rede do que na sala de aula”, destaca o professor Litto, que coordena na USP a Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro, com três mil visitas diárias.
Para dar conta desses avanços, escolas como a Pueri Domus, em São Paulo, estão inserindo o computador no currículo dos estudantes a partir dos dois anos de idade. Todos os alunos têm e-mail e no mês passado comunicaram-se com crianças de uma escola na Noruega. “É incrível a interação dos pequenos com a tecnologia. Eles não têm medo de arriscar na descoberta”, diz a diretora pedagógica de educação infantil da escola, Elisa Pereira. A carioca Cecília Gayer, 13 anos, passa duas a três horas nos finais de semana navegando. Envia e-mails aos amigos com piadinhas, slogans ou figuras; bate papo nos chats e caça fotos de artistas. Recebe cerca de 20 e-mails por dia. “A Internet para mim é lazer”, diz. Nos EUA, a intimidade com a rede fez de Anand Lal Shimpi, de apenas 16 anos, um rico empresário. Há dois anos, lançou o site AnadTech, onde vende as últimas novidades em hardware, sustentado por uma receita publicitária de quase US$ 1 milhão. O empresário mirim vai ao colégio de BMW conversível e mostra em seu site fotos com a namorada e com o cachorro.

A pergunta que os pesquisadores de Stanford se fazem é se esse admirável mundo novo irá, a longo prazo, eliminar os contatos interpessoais e criar um batalhão de eremitas. “Que tipo de vida iremos viver quando a Internet se tornar onipresente em nossas vidas?”, questiona-se o cientista Norman Nie. O psicanalista carioca Joel Birman acredita que ela irá gerar seres humanos com “uma capacidade afetiva muito restrita”. Por outro lado, Don Tapscott aponta para a perspectiva de a Internet nunca chegar às camadas mais baixas da população, aumentando a distância entre ricos e pobres, entre os que têm ferramentas para crescer no mundo da informação e os que nem sequer o compreendem. É o que ele chama de estratificação digital. Numa realidade cheia de nuances e ainda em construção, a visão boa e ingênua da rede, assim como a visão cínica e má, são apostas no escuro. Embora já esteja revolucionando o mundo, a era digital está apenas começando.
Colaboraram: Celina Côrtes (RJ) e Marina Caruso


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