Atigo de luxo, a honestidade é talvez o principal objeto de desejo do brasileiro hoje em dia. As sucessivas avalanches de denúncias que atingem políticos, empresários e até integrantes da Justiça estão conseguindo soterrar a imagem de instituições que são o sustentáculo da democracia, como o Congresso Nacional, o Poder Judiciário e o Executivo. Como um porta-voz do desalento que tomou conta do País, que há oito anos conseguiu varrer do poder um presidente acusado de corrupção, Pelé desabafou: “Estou com vergonha do Brasil.”

Será que é só ele? O atleta do século, que já experimentou o gosto amargo da política ao ocupar o cargo de ministro do Esporte, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, fez um apelo para que o povo empunhe a sua arma mais vigorosa, o voto, para abater a praga da corrupção. “Só se ouve falar em desvio de verbas, roubalheira, políticos desonestos. Chegou a hora de o povo brasileiro reagir. E a melhor arma para isso é o voto”, conclamou, numa entrevista ao Jornal do Brasil, na última quarta-feira.

Um dos principais alvos da indignação geral, os políticos, em vez de tentar submergir do mar de lama, contribui para se afundar mais no imaginário popular. Um exemplo disso foi o show de baixarias e acusações mútuas trocadas, do alto da tribuna do Senado federal, por dois dos políticos mais proeminentes do País, os senadores Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho (leia na pág. 32).

Termômetro do humor da população com relação à classe política, pesquisa nacional feita pelo Instituto Brasmarket, na primeira semana de abril, com 3.097 pessoas, revela uma descrença generalizada. Os senadores, por exemplo, em vez de se atracarem em plenário, deveriam tentar melhorar a sua imagem, que não anda nada bem: 55,8% dos entrevistados reprovam a atuação dos integrantes do Senado. O próprio ACM também sai chamuscado, já que 52,4% o rechaçam. “O quadro é gravíssimo.

Esse descrédito é um perigo porque as pessoas acabam achando que a democracia não faz diferença ou podem até chegar à conclusão de que na ditadura, por ser autoritária, se rouba menos. As pessoas perdem a convicção de que através da política possam melhorar a sociedade”, observou a cientista política Maria Vitória Benevides.

Sonho – As montanhas de denúncias de corrupção contra a administração Pitta (leia na pág. 34) também fermentaram o sentimento de indignação contra a roubalheira. Assim, a busca do político honesto é um sonho cada vez mais acalentado pela população. Mesmo os políticos considerados inteligentes, como o presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso, não escapam da rígida avaliação dos comuns.

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Um dado curioso na pesquisa é que, apesar de ser aplaudido em duas atribuições – a inteligência em primeiro lugar e a capacidade, num segundo plano –, FHC foi reprovado nos quesitos honestidade e sinceridade: 47,5% dos entrevistados acreditam que a honestidade é uma qualidade que falta ao presidente da República e 59,2% não o consideram sincero. Mas, num sinal de que os políticos estão em baixa de uma maneira geral, nem mesmo a oposição pode sair às ruas festejando popularidade. Num cenário onde o presidente tem 42% de reprovação, o contraponto natural seria um alto índice de aprovação a seus adversários.

Mas não é isso o que a pesquisa mostrou: embora 39,7% deles aprovem os partidos de oposição, expressivos 37,2% dos entrevistados os rechaçam. “Mesmo os partidos de oposição têm uma avaliação pífia. A oposição não tem feito oposição. Perdeu a iniciativa. O governo tem enfrentado uma oposição maior dentro da sua própria base”, concluiu o diretor-presidente da Brasmarket, Ronald Kuntz.

Para o cientista político e professor da USP Fernando Haddad o dado surpreendente é que a população culpa mais o Legislativo do que o Executivo pelas mazelas do País. “Como se não bastasse o fato de o presidente da República estar mal posicionado e as oposições também não estarem muito bem, todas as outras instituições estão piores ainda.

No episódio da compra de votos para garantir a reeleição de FHC, por exemplo, a população viu com péssimos olhos a ação do presidente, mas encarou de forma muito mais negativa a atuação dos deputados que se venderam”, constatou. Nem a Justiça escapa à ira divina da população, já que 65,8% deu nota zero para sua atuação. “A confiança na Justiça nunca foi tão baixa. Depois da CPI do Judiciário e do episódio do teto salarial, o conceito da Justiça desabou”, observou Kuntz.

As investigações da CPI do Narcotráfico também vêm contribuindo para aumentar o ceticismo. Em mais uma semana de andanças pelo País, a CPI desembarcou no Amapá, rota da droga que segue para o Suriname e a Guiana, e se deparou com a corrupção e o tráfico de drogas enraizados nos Três Poderes.

Os deputados decidiram investigar, por suspeita de envolvimento com o narcotráfico, o presidente da Assembléia Legislativa, Fran Junior, e a presidente do Tribunal de Contas do Estado, Margareth Salomão Santana. Pelo mesmo motivo, foi decretada a prisão do empresário Sílvio Assis. Em Salgueiro (PE), maior centro distribuidor de maconha do Brasil, a CPI ouviu do ex-policial Manoel Soares de Freitas, o Falcon, preso em 1994 por tráfico de drogas, que o deputado estadual Eudo Magalhães (PFL) e seu irmão Enoelino Magalhães, ex-deputado, são líderes do crime organizado na Zona da Mata pernambucana.

Reação – Mas, num sinal de que nem tudo está perdido, a própria sociedade civil organizada começou a reagir. Os famosos caras-pintadas, que, em 1992, ocuparam as ruas do Brasil para pedir o impeachment de Collor, estão reeditando a sua versão ano 2000. Quatro entidades que reúnem estudantes secundaristas e universitários já organizaram duas manifestações nas ruas de São Paulo, desta vez protestando contra Celso Pitta. “Nós derrubamos um presidente e não conseguimos mudar a política.

Oito anos depois, em vez de avançarmos, nós retrocedemos. Se dizem que os anos 80 foram a década perdida para a economia, os anos 90 foram a década perdida para a política. Mas os caras-pintadas voltaram para exigir que a política se volte para os interesses do País”, disse Felipe Maia, 22 anos, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).


Mais do que lutar pela punição dos corruptos, a sociedade já começa a lutar também para evitar que outros larápios conquistem o poder nas eleições municipais deste ano. Encabeçando um verdadeiro mutirão contra a corrupção estão entidades como a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A entidade conseguiu a aprovação, no Congresso Nacional, de um projeto de emenda popular que permitirá, pela primeira vez, a cassação das candidaturas de políticos que comprovadamente tenham tentado comprar votos de eleitores.

Trata-se da Lei nº 9.840, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. “Essa lei poderá ter um efeito devastador. Até então, os políticos que compravam votos, mesmo que tivessem sido flagrados, continuavam concorrendo e só enfrentavam a Justiça muito depois de eleitos, ou até mesmo após os seus mandatos. O vereador Vicente Viscome, por exemplo, foi processado em 1992 e só foi condenado cinco anos depois porque deu transporte gratuito em ambulâncias para ganhar votos”, explicou o secretário executivo da CBJP, Francisco Whitaker.


Como os brasileiros vêem o presidente Fernando Henrique Cardoso

Reação – Mas, num sinal de que nem tudo está perdido, a própria sociedade civil organizada começou a reagir. Os famosos caras-pintadas, que, em 1992, ocuparam as ruas do Brasil para pedir o impeachment de Collor, estão reeditando a sua versão ano 2000. Quatro entidades que reúnem estudantes secundaristas e universitários já organizaram duas manifestações nas ruas de São Paulo, desta vez protestando contra Celso Pitta. “Nós derrubamos um presidente e não conseguimos mudar a política. Oito anos depois, em vez de avançarmos, nós retrocedemos. Se dizem que os anos 80 foram a década perdida para a economia, os anos 90 foram a década perdida para a política.

Mas os caras-pintadas voltaram para exigir que a política se volte para os interesses do País”, disse Felipe Maia, 22 anos, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Mais do que lutar pela punição dos corruptos, a sociedade já começa a lutar também para evitar que outros larápios conquistem o poder nas eleições municipais deste ano. Encabeçando um verdadeiro mutirão contra a corrupção estão entidades como a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A entidade conseguiu a aprovação, no Congresso Nacional, de um projeto de emenda popular que permitirá, pela primeira vez, a cassação das candidaturas de políticos que comprovadamente tenham tentado comprar votos de eleitores.

Trata-se da Lei nº 9.840, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. “Essa lei poderá ter um efeito devastador. Até então, os políticos que compravam votos, mesmo que tivessem sido flagrados, continuavam concorrendo e só enfrentavam a Justiça muito depois de eleitos, ou até mesmo após os seus mandatos. O vereador Vicente Viscome, por exemplo, foi processado em 1992 e só foi condenado cinco anos depois porque deu transporte gratuito em ambulâncias para ganhar votos”, explicou o secretário executivo da CBJP, Francisco Whitaker.

Mas, para que surja efeito, é preciso mobilizar a própria população. Por isso, a entidade vai organizar comitês de fiscalização em todo o País. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já se dispôs a ajudar na tarefa de distribuição de um verdadeiro manual de combate aos corruptos em plena batalha eleitoral: “Roteiro para Fiscalizar a aplicação da Lei nº 9.840.” Uma verdadeira campanha de marketing para conscientizar o eleitorado também está sendo gestada, com o slogan “Voto não tem preço, tem consequência”. Mas, para que o candidato criminoso possa ser punido em pleno processo eleitoral, é preciso comprovar a compra de votos. “É preciso fotografar, filmar ou ter testemunhas do crime cometido”, observou Whitaker. Outra grande preocupação nas eleições deste ano é a abstenção. Revoltado, o eleitor pode punir os políticos abstendo-se de votar, em vez de procurar saber quais são os políticos que merecem seu voto.

 


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