Fundo do poço é um limite que não existe na política brasileira. Sempre dá para descer mais um pouquinho. Na tarde da quarta-feira 5, os dois principais caciques do Congresso – os senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA) – trocaram insultos e acusações num espetáculo de baixarias transmitido ao vivo pela TV Senado. Foi uma guerra de clippings, com os dois senadores brandindo denúncias publicadas pela imprensa nas últimas décadas.

Nesse verdadeiro pugilato verbal, um chamou o outro de ladrão, para espanto da seleta platéia de parlamentares que não esperava que chegassem a tanto. O duelo não foi apenas de palavras: um silêncio nervoso acompanhou a cena em que os dois se encontraram frente a frente, mas terminou aí a semelhança com filmes de bangue-bangue. Nem sequer se olharam. Os próprios políticos julgaram o desempenho dos dois contendores. Em seu gabinete em Florianópolis, o governador de Santa Catarina, Esperidião Amin (PPB), assistiu ao embate pela telinha sem perder nenhum lance. No final, telefonou para o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, e deu suas notas: “O Jader ganhou o debate por oito a dois, mas a grande derrotada foi a classe política que saiu perdendo de dez a zero.”

Amin tem razão. Mesmo aconselhado pelo vice-presidente Marco Maciel e toda a cúpula pefelista a desistir de ir à tribuna para fazer acusações contra Jader, ACM insistiu em discursar e, com sua arrogância habitual, prometia de público nocautear o adversário. Nos bastidores, porém, a conversa foi outra. Por intermédio do presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), avisou a Jader de que iria pegar leve. Uma semana antes, ACM já havia perdido o primeiro round.

Depois de alardear um discurso bombástico, fez um pronunciamento pífio e permitiu que o oponente roubasse a cena. Na última quarta-feira, voltou a levar a pior: limitou-se a anunciar que estava entregando à Mesa do Senado um dossiê contra o líder do PMDB. O contra-ataque foi fulminante. Na tribuna, Jader tratou de abrir o baú da tortuosa trajetória política de ACM. O babalorixá baiano que vinha se esforçando para reescrever sua própria história, se apresentando na nova versão como democrata e paladino da moralidade e de causas sociais, sentiu o golpe.

Mesmo contrariando o regimento do Senado, tentou interromper o orador. Mais uma vez, se deu mal. “Não concedi aparte a V.Exa. Fique calado. Ouça calado. Fique caladinho aí”, tripudiou Jader. Transtornado, o presidente do Senado obedeceu. Partiu depois para uma tréplica, lendo uma manchete do jornal O Estado de S.Paulo, que dizia: Pará agora só tem ladrão, louco e traidor. “E Vossa Excelência era o ladrão.”

O baixo nível do debate e o temor de sua repercussão na opinião pública deixaram preocupados os políticos de todas as tendências. Mesmo assim, até correligionários pefelistas comemoraram discretamente a humilhação pública de ACM, que vem acumulando derrotas desde que a Rede Globo e o presidente Fernando Henrique Cardoso se afastaram dele. “Tenho certeza de que lavei a alma de muita gente”, disse Jader. FHC deve ter sido um deles.

Cansado de ser espezinhado por Antônio Carlos, Fernando Henrique acompanhou o arranca-rabo de camarote. De San José, a capital da Costa Rica, mandou um recado: “Sou presidente, não sou juiz de briga.” Horas antes do bate-boca senatorial, FHC deu outra estocada. “O Brasil cansou de ver tanta lama e corrupção e tanta falta de atitude para punir os que são responsáveis.” Falou à vontade porque sabia que desta vez não seria contestado. Tudo o que o abalado ACM não quer nesse momento é agravar suas relações com o Planalto.

Afinado com o governo, Jader também não quer desagradar o presidente. Depois de uma conversa com o líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), desativou na última quinta-feira a artilharia que o PMDB armara para torpedear o depoimento do pupilo de ACM e ministro da Previdência, Waldeck Ornélas, à comissão mista do salário mínimo.

Recuo – A decisão peemedebista de poupar Ornélas atendeu ao Planalto. Quando o salário mínimo entrou em pauta, o ministro da Previdência chegou a irritar Fernando Henrique com uma entrevista em que deu a entender que estava do mesmo lado de ACM. Ficou com a cabeça a prêmio, por muito pouco não foi forçado a defender em rede de televisão o valor de R$ 151 para o mínimo, mas se enquadrou e por enquanto conseguiu manter-se no cargo.

“Ele realmente passou por um momento difícil, porque ficou no meio do tiroteio sendo integrante do governo Fernando Henrique e aliado do senador Antônio Carlos”, reconhece o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente. De todo esse entrevero, sobrou uma batata quente para os senadores. Nesta terça-feira 11, o plenário do Senado decide o que fazer com a montanha de papel entregue por ACM e Jader. Têm duas opções: investigar as denúncias ou varrer a sujeira para debaixo do tapete. Se prevalecer o corporativismo parlamentar, estarão cavando um poço ainda mais fundo.