Sempre cercados de modelos deslumbrantes, fotógrafos de moda famosos geralmente passam a idéia de levar uma vida tão glamourosa quanto a mostrada nos seus ensaios caríssimos. Especialmente se o nome em questão é o alemão naturalizado australiano Helmut Newton, 79 anos, o mais célebre de todos. Para desmistificar o lado cintilante da atividade ou quem sabe alimentar ainda mais a lenda pessoal, Newton resolveu abrir o baú de sua vida íntima com a também fotógrafa australiana Alice Springs, nome artístico de June Browne, e mostrar que por trás da marca registrada de suas provocantes imagens de mulheres sensuais e dominadoras existe o mais comum dos mortais. Bem, nem tão comum assim, quando se pensa que os motivos cotidianos focados por Newton e Alice vão bem além da banalidade. Com 100 trabalhos de sua autoria e de sua mulher, a excelente mostra Us and them, cuja abertura acontece na quarta-feira 5 no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, além de trazer belíssimos retratos de artistas e do mundo fashion, centra-se justamente naquelas fotos que uma pessoa faz de si ou do ser amado em situações divertidamente bizarras. Os trabalhos mais amenos adornarão temporariamente a fachada do novo Shopping Villa-Lobos, promotor da mostra.

Casados há 52 anos, Newton e Alice – que se tratam na intimidade por Helmie e Junie ou Hel e Pussy – se expõem não apenas no cotidiano de um banho ou na nudez da alcova. Ambos se deixaram registrar em momentos pouco felizes, como nos exames médicos e internações em hospitais. Dividida em cinco segmentos, a mostra selecionou retratos de Newton feitos por Alice – o mais antigo, de 1956, e o mais recente feito há dois anos e meio -, retratos de Alice assinados por Newton e auto-retratos de ambos. Termina com uma sequência magistral de famosos, clicados em momentos diferentes pelo casal, mostrando assim suas diferenças de estilo. Na visão de Alice, por exemplo, Catherine Deneuve se mostra na maturidade de uma dama, em foto de 1984. Revelada por Newton num registro feito 12 anos antes, transpira sensualidade com um cigarro entre os dentes.

Em entrevista a ISTOÉ, concedida por e-mail de seu apartamento em Monte Carlo, Mônaco (leia à pág. 116), Newton afirmou que "a razão de ser da exposição é a passagem do tempo". De fato, o que mais chama a atenção é a forma serena com que o casal se relaciona com o corpo e o envelhecimento, especialmente no caso de Newton, cuja matéria-prima sempre foi a beleza física. "Mulheres assumem expressões maravilhosas quando estão voltadas para si próprias",

afirmou certa vez o fotógrafo, que até hoje só fez um nu masculino frontal, o do ator Helmut Berger. "Elas se perdem na própria imagem, algo fascinante de ver e registrar." E de admirar.