Grande nome do cinema português e um dos mais incensados diretores da atualidade, Manoel de Oliveira, 91 anos, é um cineasta astuto, cuja simplicidade artificiosa beira a maestria. Em A carta (La lettre, França/Portugal, 1999), em cartaz em São Paulo e no Rio de Janeiro a partir da sexta-feira 7, ele foi buscar inspiração numa obra literária do século XVII, A princesa de Clèves, da francesa Madame de La Fayette, trama clássica ambientada na corte de Francisco II. Com extrema ousadia e originalidade, Oliveira resolveu transferir a ação para a Paris contemporânea, criando uma história de amor misteriosa e fascinante.

Transformando a realeza do passado em ricos parisienses de hoje, Manoel de Oliveira acompanha os conflitos da sensível Mme. de Clèves (Chiara Mastroianni), uma jovem virtuosa – para não dizer casta – que se casa com um médico extremamente sensato. Quis o destino, porém, que ela se apaixonasse por um sedutor astro da música pop, a cujo amor renuncia. O amado é vivido pelo cantor português de rock Pedro Abrunhosa, que interpreta a si próprio. Exato em todas as escolhas, além de manter o tom anacrônico dos diálogos originais, Oliveira mergulha seus personagens em dilemas morais aparentemente ultrapassados, que saltam aos olhos diante da permissividade atual. O mais interessante, contudo, é que as atitudes nobres dos protagonistas podem soar antiquadas, mas nunca falsas ou absurdas.