À vésperas dos 500 anos do início da colonização européia do Brasil, uma revelação científica, mais precisamente genética, está confirmando agora o que antropólogos, historiadores e sociólogos já desconfiavam mas não tinham como precisar: 60% da população branca brasileira tem um antepassado indígena ou africano. Mais: a porcentagem de herança indígena é maior do que a africana, ao contrário do que se pensava. O que significa dizer que pelo menos 45 milhões de brasileiros brancos carregam hoje, sem saber, uma parcela de sangue dos descendentes dos mesmos índios que recepcionaram Cabral e conviveram com os europeus que vieram colonizar o Brasil.
A pesquisa, de relevância internacional – deverá ser publicada em um dos mais importantes periódicos científicos do mundo –, foi realizada por uma equipe de cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e liderada pelo professor e médico geneticista Sérgio Danilo Pena. Eles colheram amostras de DNA de brasileiros de todas as regiões geográficas do País. E concluíram, após dois anos de estudos, que “a contribuição européia na população brasileira se deu basicamente através dos homens, enquanto a ameríndia e a africana foi principalmente através das mulheres”. Segundo Pena, “a presença de 60% de matrilinhagem (descendência através da mãe) ameríndia e africana entre brasileiros brancos é inesperadamente alta e, por isso, acredito que tem grande relevância social”.
Para realizar um trabalho de tal magnitude, os cientistas mineiros usaram uma técnica de pesquisa conhecida como filogeografia. Ela reúne conhecimentos de genética molecular, genética de populações, demografia e geografia histórica. De posse de amostras de DNA colhidas nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul, foram utilizados dois marcadores moleculares de linhagens genealógicas: o cromossomo sexual Y para estabelecer linhagens paternas e o DNA mitocondrial para as linhagens maternas. Tanto um quanto outro permitem alcançar dezenas de gerações no passado. Para se ter uma idéia, mais de 90% do cromossomo Y é transmitido inalterado de pai para filho de uma geração a outra. O DNA mitocondrial é transmitido através do óvulo materno para filhos e filhas. Comparações com estudos feitos em outros países estabeleceram as origens geográficas da maioria dessas linhagens. “Descobrimos que duas populações que habitam regiões adjacentes na Sibéria Central (Rússia) são as mais semelhantes aos índios brasileiros: os ketis e os altais. O que aponta para essa região como o berço mais provável dos ameríndios.” Confirmando, mais uma vez, a teoria de que os primeiros humanos a habitar as Américas vieram da Ásia pelo Estreito de Bering.

Portugueses – Tal estudo levou à conclusão de que a maioria das linhagens de cromossomo Y dos brasileiros é de origem européia (mais de 90%), com forte predominância portuguesa. Resultado que confirma o que está nos livros de História. Que contam que, exceto pelas esporádicas invasões francesa e holandesa, foram os portugueses que mais imigraram para o Brasil até o início do século XIX. Os livros também registram que os primeiros imigrantes portugueses não trouxeram suas mulheres, temendo as condições inóspitas do continente selvagem. Com a necessidade estratégica de povoar a colônia, não apenas a miscigenação foi liberada, mas incentivada pelas autoridades coloniais. Tal política liberal não se repetiu mais tarde em relação às escravas africanas, o que aparentemente não impediu uma alta taxa de nova miscigenação.

Mesmo sendo quase só européia e muito semelhante à distribuição em Portugal, essa patrilinhagem apresenta curiosamente uma grande variedade. O que se deve, segundo Pena, à alta diversidade genética dos ibéricos, fruto de muitas invasões e imigrações para aquela região: celtas, fenícios, gregos, romanos, suevos, visigodos, judeus, árabes e bérberes. O que ajuda a explicar uma taxa alta de um tipo específico de cromossomo Y que ocorre em toda a área mediterrânea, mas atinge frequências máximas entre judeus e libaneses. O que novamente é explicado pela História. Até o final do século XIV havia grande quantidade de judeus na Península Ibérica. No século seguinte, a discriminação e perseguição católica aos judeus aumentou até o ponto de serem expulsos de Portugal. Embora fossem proibidos de migrar para as Américas, muitos que se converteram ao cristianismo (cristãos-novos) acabaram vindo para o Brasil.

A relevância social destes resultados, segundo Pena, pode ajudar a ampliar a chamada “democracia racial”, que certamente não existe no Brasil tanto como alguns querem crer. “Prova disso é a necessidade de uma lei para proibir o racismo.” Portanto, diz ele, “gostaríamos de acreditar que, se muitos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disso, valorizariam mais a exuberante diversidade genética de nosso povo e, quem sabe, contribuiriam para uma sociedade mais justa e harmônica”.