Com o número cada vez menor dos médicos de família – uma figura quase extinta que se destacava por esclarecer qualquer dúvida, da cólica do bebê aos problemas do casal – a rede mundial de computadores está tornando o profissional de saúde o companheiro que todo paciente gostaria de ter. Os doutores da Web não têm intimidade com seus clientes, mas estão sempre disponíveis para uma conversa. Basta procurar um dos vários endereços disponíveis na Internet e clicar no serviço indicado para receber, por e-mail, a orientação desejada. Como no resto do mundo, sites de saúde se multiplicam no Brasil, oferecendo do simples abastecimento de informações a consultas online. “E a tendência é aumentar o número desses sites que suprem uma lacuna na relação médico-paciente. Há muita desinformação entre os brasileiros, que sentem que os profissionais de saúde estão um pouco distantes deles”, afirma Fermyno Gutierrez, diretor-presidente do site gaúcho Saúde na Internet.

Essa lacuna já vem sendo explorada por mais de dois mil sites, número aproximado de endereços armazenados no banco de dados do serviço de busca Zeek, cujo cadastro total chega a 100 mil domínios (registros) brasileiros. Muitos, entretanto, não servem para tirar logo a dúvida do internauta: ou são pessoais ou apenas informam especialidades de profissionais, funcionando mais como guia eletrônico de consultórios. Para se ter uma idéia do que pode ser considerado realmente útil, basta contar o número de sites de saúde que se inscreveram para disputar o iBest 99/2000, espécie de Oscar da Internet brasileira, cujos vencedores serão conhecidos no dia 26: 370. “Acredito que esta será a última vez em que pequenos sites vão disputar o prêmio. Neste ano estão surgindo projetos frutos de grandes investimentos, que vão revolucionar esse setor”, prevê Marcos Wettreich, presidente da iBest Company, que organiza o concurso.

As opções são várias. A maioria dos sites oferece informações sobre a área e, em alguns casos, são até bem específicos. Como o Dietnet, que abastece de notícias a biomédica boliviana Mirtha Monasterio, 34 anos, radicada há 13 no Brasil. Em meio a viagens virtuais, ela descobriu o site, que colocou na sua lista de favoritos. “Encontro cardápios que me garantem uma dieta saudável e também leio notícias novas de saúde”, diz. A nutricionista paulista Lara Natacci Cunha teve a idéia de montar a página há quatro anos. Segundo ela, cerca de mil pessoas visitam diariamente o site. Tamanho assédio levou Lara a escrever os livros DietBook e DietBook Júnior, que são vendidos pelo site. Como usuária fiel, Mirtha comprou o seu exemplar.

Já quem deseja auxílio profissional deve ficar atento aos avisos feitos pelos sites sérios: a consulta virtual é complementar e não dispensa a visita a um médico de carne e osso. Gutierrez, da Saúde na Internet, conta que um usuário resolveu checar com o médico virtual do site quais seriam as consequências da cirurgia que faria no joelho. “Ele estava a poucos dias da operação e ainda se sentia em dúvida”, diz. Como garantir que esse tipo de atendimento é confiável? No caso do site gaúcho, o esclarecimento foi feito por um médico da equipe de 15 profissionais de saúde mantidos pela empresa. Para não cair em páginas erradas, é preciso cuidado. O infectologista André Lomar, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, recomenda que o navegante se afaste de serviços que não tenham coordenação médica e busque sites que tenham aval de alguma instituição de saúde. “Ele pode também acessar mais de um endereço”, orienta. Consultor do site SosDoutor, Lomar há quatro anos se iniciou no mundo virtual. Hoje, é coordenador do projeto Emílio Ribas na Internet.

Tratamento – Outra dica é pedir a opinião de um médico sobre o site visitado. “Um profissional pode dizer se a página consultada, mesmo sendo bonitinha ou inventiva, é séria, se vale a pena”, argumenta Luiz Armando de Araújo, professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), internauta há quase sete anos. Araújo é autor de um projeto de tratamento médico pioneiro. Com o respaldo da universidade, criou o SosToc, site gratuito para acompanhamento online de pessoas que sofrem de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), distúrbio ansioso que provoca pensamentos ou impulsos repetitivos (como checar diversas vezes se as portas de casa estão fechadas). “O site elimina o problema da distância e oferece uma grande interação com o paciente, que pode seguir os procedimentos do tratamento mesmo se estiver fora de casa. É só se conectar em qualquer computador”, ressalta. Por enquanto, o serviço estará disponível a partir deste mês apenas para 60 pacientes, que passarão por uma triagem online. Só entra em tratamento quem atender aos critérios da equipe médica.

Por ser um fenômeno bastante novo no Brasil, a consulta online ainda deve render muita polêmica, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos e na Europa. A Associação Médica Britânica, por exemplo, sugeriu que a informação na Internet deveria ser avalizada por doutores. Já a Associação Médica Americana proibiu anúncios de produtos que coincidam com o mesmo tema abordado nos artigos médicos. Não tratou, entretanto, da venda de medicamentos sem prescrição, atividade realizada no mercado americano que não chegou por aqui (ainda não há sites brasileiros que comercializem remédios). Mas até pela velocidade com que a saúde se expande na Internet, acredita-se que o usuário aprenderá a navegar com segurança nesse mundo. “Existem pessoas capazes de reconhecer que estão sendo enganadas”, afirma Sandro Fernandes, diretor-geral da SoftRent, produtora que criou os sites Guia do Bebê e Guia do Sexo, orientados por 16 médicos colaboradores. “Estamos nos especializando cada vez mais em relações humanas na Internet. Algo muito importante tanto dentro quanto fora dela. É esse caminho que iremos seguir”, conclui.
Colaborou Juliane Zaché