Você já saiu de uma sala de teatro com a nítida impressão de que acabou de assistir a cenas de sua própria vida? Já se sentiu interpretado por atores de uma peça, como se o protagonista não fosse Hamlet ou Medéia, mas uma versão improvisada de você mesmo? A impressão torna-se certeza quando os artistas fazem parte da São Paulo Playback Theatre, companhia liderada pelo psicodramaturgo Antonio Ferrara. O grupo não adapta obras literárias, não decora textos nem marca cenas. Não existe script. Os diálogos, os papéis e a sonoplastia são decididos ao vivo, com base em histórias contadas pelos espectadores. Em duas horas de palco, os atores encenam meia dúzia de histórias contadas por pessoas diferentes. Ao contrário do psicodrama, o espectador não participa da encenação. O voluntário vai ao palco e relata o fato que gostaria de ver encenado. Para suprir os detalhes necessários à montagem, Ferrara entrevista rapidamente o narrador, indagando peculiaridades sobre os personagens envolvidos na trama, sua aparência física e traços de sua personalidade.

Estabelecidos os elementos básicos do enredo, o relato surge pronto aos olhos da platéia.

A trupe é formada por quatro atores e dois músicos, todos com rostos cobertos de pancake branco. Mário Moura, 35 anos, Chico Oliveira, 33, Magda Miranda, 32, e Carolina Fava, 30, cozinham o arroz-com-feijão oferecido pela entrevista, temperado pelo teclado de Márcia Zugliani, 31, e pelo violão de Carlos Alexandre Marques, 25. Pulando de personagem em personagem, o ator é obrigado a encarar o próximo desafio sem ser influenciado pelo esquete anterior. “Construímos os personagens a partir da sensação transmitida pelo narrador”, explica Chico Oliveira, ator e psicólogo. Também psicóloga, Carolina Fava acredita no potencial transformador do Playback Theatre, à medida que o espectador revive no palco uma história que foi dele. “A proximidade dos fatos representados potencializa o sentimento de catarse tradicional do teatro”, afirma.

Uma das narradoras voluntárias do espetáculo Colcha de retalhos na noite de 17 de março, Helena Ambrico, confirma o alívio que sentiu ao ser interpretada por Carolina. Na trama, Helena observou os problemas pelos quais passava seu namoro, até presenciar o inevitável rompimento. Aos prantos, elogiou a interpretação da atriz: “Ela é igualzinha a mim, conseguiu passar toda a ansiedade que eu senti nos momentos representados.” No mesmo espetáculo, o grupo teve a honra de receber a inesperada visita do médico e escritor Lair Ribeiro, fã do Playback Theatre americano. Ele desconhecia a existência do trabalho no Brasil. Em uma atitude inédita, o autor de O sucesso não ocorre por acaso levou por escrito a experiência que gostaria de ver encenada. Os atores Mário Moura e Chico Oliveira interpretaram comovidos o trágico acidente que vitimou o pai de Lair Ribeiro, quando este ainda era uma criança. Personagem por um dia, Lair afirma ter superado a morte do pai, mas precisava assistir novamente ao episódio. “Com o tempo, as imagens foram se dissipando na minha cabeça e eu já não conseguia me lembrar da cena com exatidão”, afirma.