Acredite: saber tupi é bom. Na onda dos 500 anos do Descobrimento, um seleto grupo de intelectuais e estudantes que se dedicam à divulgação da língua mais falada pelos índios nos tempos da colonização começa a ganhar destaque. Nos cinemas do Rio, de São Paulo, Belo Horizonte, Campo Grande e Curitiba espectadores curiosos podem assistir a um filme falado em tupi, com legendas em português – Hans Staden, do diretor Luiz Alberto Pereira. A partir de abril, começam a pipocar cursos, livros e um CD-ROM para quem quiser saber mais sobre o idioma. Há até quem se proponha a ensiná-lo pela Internet.

Influências – Utilizado inicialmente pelos índios de toda a costa brasileira, o tupi foi o idioma adotado pelos primeiros colonizadores, por jesuítas e bandeirantes, que batizaram com nomes indígenas boa parte dos lugarejos que exploravam. Proibido no final do século XVIII, por ordem do Marquês de Pombal, virou língua morta, mas influenciou muito o vocabulário dos brasileiros (leia quadro). Luiz Alberto Pereira, o diretor de Hans Staden, escreveu o roteiro em sua casa no bairro do Sumaré, entre as ruas Aimberê e Apinagés, próximo ao parque da extinta TV Tupi. Não é de admirar que, na hora de passar para a tela a história do viajante alemão que naufragou em Santa Catarina em 1550 e escapou por pouco de ser devorado por índios, ele optasse por manter os diálogos em tupi. “A língua foi o nosso pé no século XVI”, comenta. “Assim, retratamos a história sem parecer algo falso.”
Ambientado numa aldeia tupinambá construída em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, Hans Staden exigiu a consultoria de um perito em tupi. O eleito foi o estudante Helder Perri Ferreira, 23 anos, que durante dois meses e meio participou de todas as filmagens. “No começo, fiquei até assustado: no set, eram só o diretor, o fotógrafo e eu”, diz. “Os atores tinham de repetir palavras que não entendiam e minha tarefa era fazê-los falar com intenção.”

Aluno do curso de Letras da USP, Helder trabalha como tradutor, mas daria um ótimo discípulo dos irmãos Villas-Boas. Adquiriu “um interesse obsessivo pela naturalização” há cinco anos, depois de passar uma temporada no Pantanal. Desde então, se dedica ao estudo das culturas indígenas. Está traduzindo para o tupi uma peça de teatro de rua e ajudou a escrever o inédito A história dos nomes dos municípios de São Paulo, que demonstra que 160 deles têm origem tupi. “Não seria louco de achar que posso reanimar o tupi como língua nacional, mas sei que literatura e cultura brasileiras são o meu futuro.”
De um modo geral, quem estuda tupi pertence ao meio universitário e quer, na verdade, entender melhor o português. É que cerca de 20 mil vocábulos utilizados atualmente pelos brasileiros, sobretudo nomes próprios, de cidades e elementos da fauna e da flora, têm origem indígena. O caso de Ricardo Tupiniquim Ramos, 25 anos, professor de Língua Portuguesa na Universidade do Estado da Bahia, é exemplar. Nascido em Salvador, ele pesquisou anos até descobrir que seu sobrenome era herança de seu tataravô. O velho Karamaã, cacique de uma tribo no interior da Bahia, adotou o nome de sua nação indígena ao se casar com uma branca, em 1875.

“Esse laço de sangue me motivou a escrever uma tese de mestrado sobre a influência do tupi na literatura e nos textos jornalísticos do século passado”, conta Tupiniquim. No ano passado, ele deu aulas de Tupi num congresso para linguistas. Hoje mantém contato com estudiosos no Rio e em São Paulo, mas recusa o rótulo de novo Policarpo Quaresma. Para ele, seria absurdo querer impor à população o estudo de uma língua morta, como sonhava o personagem. “Quero ver o tupi ressurgir nas universidades”, afirma.

Dicionário – Atualmente, quem mais se empenha nessa tarefa é o professor Eduardo Navarro, titular da disciplina de Tupi do curso de Letras da Universidade de São Paulo. Autor do Método moderno de tupi antigo (Ed. Vozes, 620 págs., R$ 60), lançado em 1998 e hoje em sua segunda edição, ele é a autoridade máxima no ensino do idioma no País. Traduziu para o tupi os diálogos dos índios da minissérie A muralha, da Rede Globo, e todas as 90 páginas do roteiro do filme Hans Staden. Fundador da ONG TupiAqui, que pretende formar professores especializados e divulgar o idioma, Navarro tem passado boa parte do tempo no Exterior, fazendo palestras sobre o Descobrimento.

A partir do dia 10, no Pátio do Colégio, em São Paulo, ministrará um aguardado curso de Tupi para leigos. E ele já se prepara para publicar, no segundo semestre deste ano, o Dicionário da língua brasílica, o tupi antigo na formação do Brasil. A publicação servirá de guia para estudantes do idioma, já que a última obra do gênero, o Vocabulário tupi-português, de Lemos Barbosa, data de 1956. Ainda este ano, o professor deve lançar um CD com os textos do seu Método de tupi e uma versão do dicionário em CD-ROM.

No Rio de Janeiro, o economista aposentado Joubert Di Mauro, 58 anos, promete brindar o dia 22 de abril com o lançamento de um novo Vocabulário tupi-português. Sobrinho do cineasta Humberto Mauro – diretor de O descobrimento do Brasil –, ele lançou um curso de Tupi pela Internet. A partir de uma biblioteca de cinco mil volumes herdada do pai e do tio, lançou sua página pessoal (www.painet.com.br/joubert/). Nela, os interessados podem adquirir noções de tupi antigo em quatro aulas. “Ensino gramática, algumas palavras e o Hino Nacional”, conta Di Mauro. “Acho que, no futuro, o tupi vai voltar a ser valorizado.”

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