No começo da tarde da quarta-feira 29, reunida na casa do presidente da Câmara, Michel Temer, a cúpula do PMDB resolveu escalar Jader Barbalho para esvaziar ainda mais a bola murcha do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães. Enfraquecido pelo afastamento da Rede Globo e do presidente Fernando Henrique Cardoso, ACM preparou um discurso para se defender das denúncias de Nicéa Pitta na expectativa de receber afagos de seus colegas, como é praxe no Senado. De quebra, ainda esperava dar uma faturada com a defesa de um salário mínimo maior que os R$ 151 definidos pelo governo. Mas o script saiu errado. Enquanto o cacique baiano dava os últimos retoques em seu discurso, o Palácio do Planalto estimulava o PMDB a roubar a cena em plenário. FHC mandou um recado aos peemedebistas que estavam na casa de Temer: não gostaria de ver o discurso de ACM sem resposta. Dito e feito. “Nós ficamos perplexos. Vossa Excelência, com sua autoridade, luta por um salário mínimo maior e o seu ministro diz que não pode”, ironizou Jader, chamando a atenção para a contradição entre ACM e seu fiel pupilo e ministro da Previdência, Waldeck Ornelas. Jader batia de caso pensado.

Quinze dias antes, FHC e o presidente do PMDB chegaram à conclusão de que não dava mais para deixar Antônio Carlos ficar posando de paladino dos pobres à custa da imagem do governo e seus aliados. Resolveram costurar uma saia justa para o senador: escalar Ornelas para defender os cofres da Previdência e torpedear a proposta de seu padrinho político. Depois da réplica de Jader, ACM deu início a um bate-boca. “O senador Jader enveredou pelo seu hábito de fazer intriga”, disparou, exibindo seu ciúme da tabelinha entre o peemedebista e FHC. “Não sou palaciano nem dado a salamaleques. Em matéria de palácio, Vossa Excelência me ganha não só neste governo, mas em todos os outros”, tripudiou Jader.

O discurso de ACM atiçou um fogaréu que o Planalto chegou a imaginar ter apagado uma semana antes. A avaliação palaciana era de que o babalorixá baiano teria se resignado depois de uma conversa com o chefe da Casa Civil, Pedro Parente. O senador, porém, se sentiu traído e resolveu voltar à carga. Colocou contra a parede os que estavam fazendo o jogo do Planalto. Ameaçou até tirar o tapete do líder Inocêncio Oliveira (PE), e apoiar a Severino Cavalcanti (PPB-PE) para presidente da Câmara. Na noite da última terça-feira, dirigentes do PFL acharam que haviam encontrado uma solução: o governo se comprometeria a dar um novo reajuste ao salário mínimo em janeiro de 2001.

Na manhã seguinte, Bornhausen foi ao Alvorada levar uma queixa e o pleito do partido. Reclamou do fato de Parente estar atropelando o PFL ao negociar apenas com ACM. Mas também pediu uma saída honrosa para não parecer à opinião pública que os pefelistas encenaram uma farsa com o reajuste do mínimo. FHC bateu o pé e não topou. Nessa queda-de-braço com Fernando Henrique, ACM tem um comportamento público e outro privado. Ao mesmo tempo que esbraveja, teme que, se não houver uma saída, acabe perdendo força em seu próprio partido. Sabe melhor do que ninguém que o PFL, desde quando se chamava Arena, não tem a menor vocação oposicionista. Também não interessa a Fernando Henrique a redução da base governista, até para não ter de ficar nas mãos do PMDB de Jader.