Sebastião Salgado, fotógrafo brasileiro de maior projeção internacional, é um profissional que se difere de seus pares não apenas por ter criado um estilo marcante, em inigualáveis registros em preto-e-branco, quase sempre a contra-luz. Mas porque se tornou uma espécie de missionário aos olhos de quem acompanha seu trabalho, cuja única motivação é registrar, a custo de muito empenho, gente que não desfruta das benesses da globalização e parece cada vez mais enterrada nas trevas medievais. De um tempo para cá, os princípios humanitários de Sebastião Salgado, 56 anos, também podem ser traduzidos em discursos coerentes. Mais que palavras, porém, o que conta é a ação. Nos últimos sete anos, Salgado percorreu 47 países para flagrar o que chama de “humanidade em trânsito”. Forma até suave de designar a massa humana de 110 milhões de pessoas, que pelas mais trágicas razões – guerras, repressão, miséria ou cataclismas – abandonaram seus lugares de origem. O resultado desta incursão pelos lados mais sombrios do planeta pode ser conferido em vários projetos. A partir da semana que vem, estão previstos os lançamentos de dois livros, Êxodos (Companhia das Letras, 432 págs., R$ 87,50) e Retratos de crianças do êxodo (Companhia das Letras, 112 págs., R$ 38,50). Em 18 de abril, a exposição Êxodos – retratos se instala no Sesc Pompéia, em São Paulo. A partir de 20 de junho, estará no Museu do Universo (Planetário), no Rio de Janeiro, e em 15 de agosto, integrará a Bienal de Fotografia de Curitiba.

Riso infantil – Não é só. A mostra percorrerá outros nove países. “Quero iniciar um debate sobre a condição humana a partir destes deslocamentos. A câmera é vista por estes refugiados e exilados como um microfone”, diz Salgado. “É uma forma de seus problemas serem ouvidos, num momento em que a única esperança é lutar pela sobrevivência.” Seus retratos das crianças, contudo, fogem um pouco do contexto dramático das outras imagens. Ele começou a fotografá-las quando estava em Moçambique, ao lado de refugiados da guerra civil. Viu-se cercado por dezenas de crianças, que à margem dos próprios infortúnios pareciam felizes e, brincando, pediam para que ele as fotografasse. A mesma situação se repetiu em inúmeros locais: Afeganistão, Croácia, Índia, Vietnã, e no próprio Brasil. Por sugestão da mulher, Lélia Wanick Salgado, acabou dedicando um livro inteiro aos retratos infantis. “O que vejo pelos seus olhos é uma pureza e, ao mesmo tempo, uma tristeza que parece contar a história que estão vivendo.”

Lidar com crianças inquietas talvez tenha sido a parte mais tranquila do trabalho. Há alguns anos, enquanto fotografava presos numa delegacia no centro velho de São Paulo, Salgado foi refém num motim. “Situações como esta, às vezes, são como caminhar na lâmina de uma faca, mas é natural.” Não foi a primeira vez que o fotógrafo se viu em momentos de perigo. Durante suas viagens ele se acompanha apenas de três câmeras Leica e suas lentes. E imprevistos acontecem. “Não consegui entrar no Irã, onde existem cinco milhões de refugiados.” As atribulações, no entanto, têm valido a pena. Seu trabalho ganha cada vez mais eco mundial. O Canal Plus francês, por exemplo, produziu uma série de 30 episódios de três minutos cada um, com trilha sonora especial, utilizando várias de suas fotos. Em breve, sua obra será foco de um documentário de uma hora que terá a participação do ator e diretor Tim Robbins, com roteiro do escritor português José Saramago. Mesmo sendo uma celebridade, Sebastião Salgado garante que ainda enfrenta dificuldades para equilibrar as contas no final do mês. Este talvez seja o único exagero de seu discurso franciscano.