Tratar testemunhas de Jeová representa um dilema para os profissionais de medicina. Por questões religiosas, os seguidores dessa crença não aceitam transfusão de sangue. Os médicos se sentem constrangidos diante da restrição. Os adeptos da religião não aceitam o princípio médico de preservar a vida empregando todas as técnicas possíveis.
Eles buscam alternativas ao uso de sangue em vários países. Em São Paulo, surge uma nova opção para esses pacientes. Um acordo firmado este mês com o Hospital Panamericano credenciou a instituição como primeiro centro de referência para cerca de sete mil seguidores da religião na capital paulista e arredores. O hospital pertence à rede Samcil, que também está capacitando quatro hospitais e 20 centros médicos para atender as testemunhas no Estado.
Para se adequar a essa clientela, o Panamericano implantou novas rotinas. “O atendimento a esse grupo pede técnicas para lidar com situações especiais”, conta o oncologista Hélio Pinczowski, diretor do hospital. Assim que se internam, os pacientes recebem uma pulseira verde (os demais ganham braceletes brancos), uma ficha clínica e carteira com carimbo vermelho avisando sobre a restrição à transfusão.
O arsenal de recursos destinado às testemunhas de Jeová reúne desde técnicas para expandir o volume de líquidos no organismo e estimular o crescimento e o desenvolvimento das células sanguíneas (com uso de soro, ácido fólico e substâncias como a eritropoetina, entre outros) até cirurgias menos invasivas, como a laparoscopia (feita com pequenas incisões). Outra alternativa é o reaproveitamento do sangue do paciente, durante a cirurgia, por meio de um aparelho chamado Cell-Saver.
A aplicação desses procedimentos salvou a vida do empresário Wilson Carlos Fernandes, 50 anos, de Sorocaba (SP), que sofreu uma crise de diverticulite (um tipo de hérnia na mucosa do intestino). Internado às pressas, teve uma infecção generalizada, perdeu parte do órgão e teve quatro hemorragias. Apesar disso, se recusou a receber sangue. “É questão de fé. Não quero viver fora das minhas crenças”, afirma o empresário. Num hospital de Sorocaba, interior de São Paulo, que era adequado ao atendimento desses pacientes, ele recebeu combinações de substâncias para aumentar a quantidade de sangue nas suas veias. Agora, poderá continuar fazendo exames na rede Samcil.
Deixar de fazer a transfusão para salvar a vida de um seguidor de Jeová é uma questão que ainda renderá muita polêmica. O formulário eximindo os médicos de responsabilidade, assinado pelos pacientes, nem sempre elimina a possibilidade de nova avaliação das condutas clínicas por comissões de sindicância. Por isso, a iniciativa de criar soluções é um alento para as testemunhas de Jeová e seus médicos.