Pedalar em volta da lagoa Rodrigo de Freitas, um dos principais cartões-postais do Rio de Janeiro, é um prazer do qual o carioca não abre mão. Na terça-feira 14, entretanto, o vigia José Francisco Geraldo, 45 anos, acrescentou uma inusitada peça à indumentária básica de seus passeios ciclísticos – além do tênis, sunga e pochete com o nome do ídolo Bob Marley, ele ostentou uma máscara protetora cobrindo o nariz. Era como se acabasse de viver uma explosão nuclear ou algo parecido. A cena caracteriza com perfeição o sentimento de revolta e desespero da população após a série de cataclismos ecológicos que se abateu sobre a cidade no verão de 2000.

O enredo é de arrepiar: vazamento de 1,4 milhão de litros de óleo da Petrobras na Baía de Guanabara e aparecimento de “línguas negras” nas areias de Copacabana e Ipanema. Não dá para esquecer a espuma amarela que surgiu na água do mar, uma espécie de gordura de esgoto provocada pelo bater das ondas nas pedras durante a ressaca. Sem falar na constatação de que todas as praias, incluindo as mais longínquas e paradisíacas como a Prainha e a de Grumari, estão impróprias para o banho. Mas o pior estava reservado à lagoa Rodrigo de Freitas, onde foram recolhidas 136 toneladas de peixes mortos durante o Carnaval. O alarme voltou a soar na segunda-feira 13, quando uma estranha mancha amarelada apareceu no espelho d’água da lagoa, resultado da proliferação de algas fartamente alimentadas pelo esgoto não tratado. Um remador do Flamengo, Sandro Lopes de Figueiredo, 23 anos, pegou hepatite ao cair do barco e engolir água da Rodrigo de Freitas. Os demais integrantes da equipe foram vacinados.

“A paciência do carioca acabou”, afirma o biólogo Mário Moscatelli, que largou o cargo de gerente de recursos naturais da lagoa Rodrigo de Freitas, no governo estadual, disparando para todos os lados. “A culpa é das autoridades que protagonizam um jogo de empurra-empurra na hora de tomar as decisões técnicas. Falta vontade política”, esbraveja Moscatelli. Os números dão razão ao biólogo. Menos da metade dos 5,6 milhões de cariocas tem acesso à rede de esgoto. O último investimento de porte no setor foi a construção do emissário submarino de Ipanema, em 1975, mas o descaso vem de longe. A tubulação – cuja instalação foi iniciada em 1866 pela firma inglesa City Improuvements e concluída em 1946, quando a população da cidade era de dois milhões de habitantes – é insuficiente e precária. “Com a falta de manutenção, virou uma peneira”, diz o oceanógrafo David Zee, da Uerj.

Desvio – Não bastassem os furos, técnicos da prefeitura suspeitam que a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae) esteja desviando cocô para a rede pluvial, onde normalmente só deveria escorrer a água da chuva. É o que o prefeito Luiz Paulo Conde chama de “manobras radicais”, numa linguagem que remete mais à prática de surfe do que à discussão sobre o destino dos dejetos humanos. Não é difícil entender: como a rede não dá mais vazão à quantidade de despejos, até pouco tempo atrás a solução era bombear com mais força. Agora, a situação é tão caótica que, se forçar, a tubulação poderá romper de vez e, com isso, o esgoto jorrará na calçada ou na pista por onde passam os automóveis. Para evitar uma tragédia, a Cedae estaria desviando-o para a galeria pluvial que, contaminada, desemboca na lagoa, reduzindo os níveis de oxigênio da água e asfixiando os peixes. Um funcionário da Cedae confirmou que, tanto no rio dos Macacos, no Jardim Botânico, como no Jardim de Alá, em Ipanema, a empresa costuma jogar o esgoto na galeria pluvial sempre que há uma sobrecarga, para evitar que os coliformes fecais comecem a brotar dos tampões das calçadas.