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Na década de 1960, um grupo de respeitáveis senhores paulistanos, todos membros de uma classe média ascendente e em profissões valorizadas como médicos, advogados, professores ou enfermeiros, decidiu unir esforços e juntar recursos para fundar mais um clube social e esportivo em São Paulo. A entidade já nasceu com nome cheio de garbo e elegância:  Aristocrata Clube.

Associações desse tipo abundavam na cidade nessa época: Pinheiros, Paulistano, Harmonia, Paineiras e Espéria eram apenas alguns nomes de agremiações que reuniam as famílias paulistanas de então. Porém, uma coisa era certa: muito dificilmente algum dos respeitáveis cidadãos mencionados no início seria admitido como sócio de uma delas, mesmo que tivesse condições financeiras para comprar o título e honrar as mensalidades sem maiores percalços.

O motivo, embora nunca declarado, era, com o perdão pelo trocadilho involuntário, muito claro: eram todos negros. O racismo tinha mesmo que ser velado, pois as leis do País já impediam esse tipo de discriminação na época. Só que, na prática, os clubes da elite paulistana sempre encontravam um meio de justificar o veto, a chamada “bola preta”. “Chegaram a alegar que o cloro usado na piscina fazia mal à pele negra. Por isso, nós decidimos fundar o nosso próprio clube”, conta Luiz Carlos dos Santos, 77 anos, atual presidente da executiva do Aristocrata Clube. “Havia três brancos entre os 50 fundadores. Eram descendentes de árabes, que também sofriam com o preconceito”, explica Luiz.

A pompa não estava presente só no nome. As frequentes festas e bailes de gala promovidos pelo clube chegavam a atrair até cinco mil pessoas e incluíam vasto rol de personalidades, como Jair Rodriges, Wilson Simonal, Milton Nascimento e Agostinho dos Santos, para mencionar apenas os cantores. Grandes astros negros internacionais de passagem por São Paulo também desfilaram pelos salões do Aristocrata. Sara Vaughan, Johnny Mathis, Josephine Baker e Muhamad Ali são alguns bons exemplos do naipe da constelação black vista por lá.

“Quando vi aqueles pretos bem-vestidos – as mulheres, lindas, de longo e os homens de passeio completo –, quase não acreditei. Era um foco de resistência de um jeito que eu jamais tinha imaginado. Já que não era permitido aos pretos o direito de frequentar os clubes da elite branca – a não ser como garçom e faxineiro –, agora tínhamos nosso próprio espaço”, relata Milton Nascimento num depoimento exclusivo sobre o clube para a repórter da revista “Trip”, Lia Hama. Os bailes aconteciam na sede do Aristocrata na rua Álvaro de Carvalho, 118, no centro de São Paulo, ou ainda em salões alugados do Club Homs ou do Rotary. Havia também um clube de campo com piscina e quadras de futebol, basquete e vôlei, construído em um grande terreno de 60 mil metros quadrados, na estrada do Bororé, no bairro do Grajaú, hoje parte da região mais barra pesada do lado sul da capital de São Paulo.

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Mas na década de 1990 o clube entrou em franca decadência. Há três anos, devido às dificuldades financeiras, a sede no centro da cidade teve que ser fechada. O clube de campo foi desapropriado pela prefeitura, parte do terreno foi invadida e virou uma favela. Mas a boa notícia é que o clube ainda resiste bravamente. Doze conselheiros se reúnem todas as quintas-feiras numa espécie de sede provisória: uma sala alugada no bairro da Liberdade. Com o dinheiro da desapropriação eles pretendem comprar um imóvel de 400 metros quadrados e abrir o quadro social  para o ingresso de mais novos sócios, conforme garante o professor universitário aposentado Valdemar Venancio, 75 anos, atual presidente do conselho da agremiação.

A história desse importante e pouquíssimo conhecido marco do orgulho negro do País foi registrada no documentário “Aristocrata Clube” (2004), de Jasmin Pinho.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente 


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