Assista ao vídeo e entenda como funciona a nova lei:

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EXPERIMENTO
O presidente uruguaio, José Mujica, disse que não
hesitará em recuar na lei se os resultados forem negativos

Droga mais consumida do mundo, a maconha vai perder o status de ilícita no Uruguai. Na semana passada, o Senado aprovou uma lei que regula a produção, a venda e o consumo da erva no país. Os uruguaios que se registrarem no recém-criado Instituto de Regulação e Controle da Maconha poderão plantar em casa para consumo pessoal (no máximo, seis plantas ou 480 gramas por indivíduo), em cooperativas (com até 45 parceiros e, no máximo, 99 plantas) ou comprar em farmácias até 40 gramas por mês por US$ 1 a unidade – preço próximo ao praticado no mercado negro, abastecido principalmente pelo Paraguai. Quem não seguir as normas legais estará sujeito a penas de 20 meses a 10 anos de cadeia. O governo do ex-guerrilheiro José Mujica também foi o responsável nos últimos meses pela descriminalização do aborto e pela aprovação do casamento gay. Com isso, o Uruguai se oficializa no posto de país mais liberal da América do Sul – e um dos mais progressistas do mundo.

Nas contas oficiais, o mercado da maconha movimenta US$ 30 milhões por ano no Uruguai. Para os apoiadores da nova lei, não se trata de uma mera legalização da erva, que poucos considerariam boa, mas da regulação de um mercado existente, com a intenção de combater uma questão de saúde pública e, sobretudo, as máfias que exploram um vício. “Não são decisões bonitas, mas não queremos deixar os dependentes para o narcotráfico”, disse o presidente Mujica, da Frente Ampla. O governo insistiu que a medida tem como objetivo enfraquecer o tráfico num país onde fumar maconha já é permitido há décadas. Os opositores criticaram uma declaração de Mujica que, em agosto, disse que esse seria um “experimento” e que, se não desse certo, o governo recuaria. “Na verdade, trata-se de ensaiar uma nova solução institucional para um grave problema social”, disse à ISTOÉ Oscar Sarlo, professor da Faculdade de Direito da Universidade da República, de Montevidéu. “Nesse sentido, toda legislação é um ensaio, porque não temos a possibilidade de experimentá-la previamente em animais ou em simulações.” Segundo o professor, o país já usou estratégia parecida na regulação da prostituição e do jogo. Nos dois casos foi bem-sucedido.

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As novas regras no país vizinho foram recebidas com preocupação pelo governo brasileiro, que espera um aumento no fluxo da maconha na fronteira. Mas, para Ilona Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé, do Rio de Janeiro, esse temor não é legítimo. “No momento, o grande paradoxo é que a proibição é muito mais permissiva do que a regulação”, afirma. “Hoje, quem quiser comprar drogas o faz sem nenhuma regra, restrição de idade ou controle de qualidade. Portanto, não é provável que as pessoas se desloquem até o Uruguai para comprar maconha.” No México, onde o narcotráfico é combatido principalmente por meio de medidas repressivas, o ministro das Relações Exteriores, José Antonio Meade, criticou o “enfoque unilateral”. A Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, revelou que o Uruguai desrespeitou leis internacionais das quais é signatário e que a nova legislação “estimula a experiência com a droga mais cedo”. Na tentativa de evitar o turismo da maconha e se tornar uma espécie de Amsterdã latina, o Uruguai limitou o acesso a usuários que comprovadamente residam no país – embora esse processo não esteja livre de fraudes. Desde a semana passada, a procura de estrangeiros por vistos e residência registrou aumento. Na capital holandesa, o consumo de maconha é amplamente tolerado para residentes e turistas em “coffee shops”, estabelecimentos que não estão previstos pela lei uruguaia.

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A FAVOR
Jovens fazem passeata pela legalização da maconha na
frente do Congresso na terça-feira 10, em Montevidéu

No Uruguai, onde a insegurança está no topo das preocupações da população, há um temor de que a legalização aumente o consumo da droga e, consequentemente, a incidência de delitos. “Para muitas pessoas, essa é uma relação direta”, disse à ISTOÉ Ignacio Zuasnabar, diretor de opinião pública da consultoria Equipos Mori, de Montevidéu. A pesquisa mais recente do instituto, de setembro, mostra que 61% da população é contrária à lei. De acordo com Zuasnabar, a Igreja Católica, responsável pela fé de quase metade dos uruguaios, tem influência limitada na agenda pública do país. “Na comunicação sobre a nova lei, alguns setores foram desarticulados e o próprio presidente deu declarações ambíguas”, afirmou. O sociólogo disse que a legalização é criticada internamente por dois ângulos opostos. De um lado, por quem entende que ela fomenta a excessiva liberdade para o consumo de drogas. De outro, por quem a vê como uma intromissão do Estado na esfera privada dos cidadãos.

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Apesar da pressão interna, endossada pela associação que representa os farmacêuticos no país, o Uruguai assumiu a vanguarda de um movimento estudado nos últimos anos por vários países. Nos Estados Unidos, Colorado e Washington foram os primeiros Estados a regular o uso recreativo da maconha em novembro de 2012. Por enquanto, não há estudos confiáveis que revelem o impacto da medida. Encabeçada pelo ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, a Comissão Global sobre Drogas promove debates internacionais para repensar as políticas públicas do gênero, mas os estudos que relacionam a liberação da droga com o aumento do consumo e a redução da violência ainda são inconclusivos. A venda de maconha em estabelecimentos cadastrados no Uruguai está prevista para começar no segundo semestre de 2014. Será um teste para todos. 

Fotos: AFP PHOTO / MARIO GOLDMAN; AP Photo/Matilde Campodonico