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BARBÁRIE
Torcedores brigam na partida entre Atlético-PR e Vasco: violência sem-fim

Poucas atividades tiveram um papel tão decisivo na construção da identidade brasileira quanto o futebol. Foi graças a esse esporte que o País se reconheceu como uma nação criativa, vitoriosa e feliz. Nos últimos tempos, porém, o futebol tem servido mais para expor as mazelas nacionais do que para revelar nossas qualidades. No domingo 8, o mundo acompanhou as cenas de barbárie ocorridas na Arena Joinvile, quando torcedores do Atlético-PR e do Vasco protagonizaram uma briga que chocou pelo grau elevado de violência. Junto desse fato, que provocou a interrupção da partida por mais de uma hora, certamente as parabólicas direcionadas para o país-sede da Copa do Mundo de 2014 captaram uma tragicomédia que ainda está em cartaz. O Campeonato Brasileiro, maior competição esportiva do País e um dos mais importantes do mundo, não terminou no campo, como deveria ser – a última rodada aconteceu justamente no domingo 8 –, mas caminha para ser encerrado nos tribunais. Tudo porque o Fluminense, rebaixado nos gramados, entrou com uma ação no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que irá decidir se a Portuguesa, até então livre da queda, teria escalado um jogador irregular em uma partida. Se culpada, a equipe paulista perderá os pontos e o Fluminense se salvará da degola. “Esses dois episódios são nefastos demais para a imagem do Brasil”, diz o sociólogo Maurício Murad, autor do livro “Para Entender a Violência no Futebol”. “O País não se deu conta de que estamos a seis meses da Copa e que fatos assim comprometem a nossa credibilidade.”

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Não é a primeira vez que craques de terno e gravata dos tribunais desportivos emergem ao final de uma competição e mudam os desígnios dos gramados com uma simples canetada (leia quadro). Igualmente reincidentes são os lamentáveis casos de briga de torcedores que fazem do Brasil o atual campeão mundial de mortes em confrontos entre torcidas organizadas – são 30 casos fatais apenas neste ano. Às vésperas de 2014, o futebol brasileiro de hoje parece, sob diversos aspectos, estar pior do que em 1950, ano em que o País sediou também uma Copa do Mundo. À época nem sequer havia um campeonato realmente nacional, mas a violência passava longe das arquibancadas. É possível mudar esse cenário? Para muitos especialistas consultados por ISTOÉ, a resposta é sim.

Em primeiro lugar, é preciso analisar o futebol em outros países. Na Inglaterra, no lugar de uma Justiça desportiva institucionalizada, existem comissões disciplinares que, durante os jogos, recebem a súmula, analisam e decidem sobre qualquer irregularidade sempre no mesmo dia. Já por aqui, a lenga-lenga se deve, em boa medida, à falta de estrutura e ao amadorismo do STJD, tribunal que não remunera juízes e auditores nos despachos esportivos. Uma medida simples, e provavelmente eficiente, seria publicar os resultados dos julgamentos em um boletim informativo oficial, que seria repassado aos clubes para que fossem evitadas confusões e suspeitas. Para o advogado Gustavo Lopes Pires Souza, especializado em direito desportivo, a falta de profissionalismo dos clubes também contribui para a ineficiência do STJD, criado há 25 anos para democratizar os julgamentos esportivos. “Muitos clubes pagam alto para os atletas e investem pouco no departamento jurídico”, diz. “Depois acabam prejudicados nesse outro jogo.” Detalhe: o advogado que defendeu a Portuguesa no STJD era terceirizado. “Infelizmente, futebol não se ganha só nos gramados”, diz Souza.

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Acadêmicos que estudam o fenômeno da violência de torcidas organizadas defendem que o problema é menos a ausência de leis e mais a generalizada tendência a não cumpri-las. Num mundo ideal, as autoridades envolvidas com o espetáculo esportivo investem na prevenção, a polícia reprime e prende os torcedores violentos e a Justiça os mantém na cadeia. Como fazer esse sistema funcionar? Para especialistas, medidas simples teriam eficácia imediata. Segundo o sociólogo Murad, uma varredura nas redes sociais ajudaria na identificação de delinquentes infiltrados nas arquibancadas. Ele também sugere a criação de um disque denúncia das torcidas organizadas, modelo adotado, por exemplo, nas favelas pacificadas do Rio de Janeiro e que resultou na diminuição da violência.

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DIAGNÓSTICO
Falta de estrutura e de maior profissionalismo do STJD explica o
fato de o Campeonato Brasileiro muitas vezes ser decidido no tapetão

Nem tudo é sinônimo de tragédia no futebol brasileiro. Alguns movimentos recentes, como a criação do Bom Senso F.C., apontam para uma transformação positiva. Liderado pelos próprios jogadores, o Bom Senso defende melhores condições de trabalho aos atletas e a gestão profissional do futebol. O barulho feito por estrelas como Paulo André, do Corinthians, e Rogério Ceni, do São Paulo, obrigou a Confederação Brasileira de Futebol a se mexer. Há alguns dias, a entidade anunciou que, a partir de 2015, os campeonatos serão mais enxutos e os jogadores farão menos partidas por ano. É pouco, mas representa um avanço. O desafio maior é dar um cartão vermelho para a violência e para a maracutaia dos tribunais.  

Fotos: Sérgio/Lancepress!; ALE SILVA/FUTURA PRESS